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18 de junho de 2007

MÁXIMAS DO CRESCIMENTO PERVERSO



Crescer é bom, o problema é como. Aparentemente, não há saída: ou você se submete às chantagens do império financeiro e político – o mesmo que impõe um boicote de mais de 40 anos a Cuba – ou pasta. Quem se opõe a essa situação ou propõe alternativas é tachado de retrógrado, obsoleto, incompetente. O golpe de 64 foi dado para nos entregarmos totalmente ao crescimento perverso. O mais grave é que ele se instalou nas mentes dos tais formadores de opinião , que tiraram a máscara e celebram alegremente o que foi feito no Brasil, à custa de mais desigualdade e entrega de soberania. Neste domingo, na Folha (o único jornal que consigo ler, apesar de tudo), uma reportagem de página inteira justificava o ano em que “crescemos” 14%, no auge da ditadura Médici.

O custo desse índice é colocado em segundo plano pela reportagem. Os golpistas gostam de dizer que aquele tempo foi uma guerra. Pois bem, um criminoso de guerra, Delfim Neto, chamado de professor pelo texto, pontifica o tempo todo, como se fosse o guardião do segredo do cofre. “O país não se endividou coisa nenhuma”, diz Delfim, na maior cara de pau. “As coisas pioraram depois, com a crise do petróleo”. Essa é muito boa. No momento em que Delfim e seus pares colocaram o país à mercê da pirataria internacional, com uma relação “virtuosa” (palavra muito usada por Roberto Campos, a atual unanimidade do pensamento econômico colonizado) entre dívida e exportações, ficamos então à mercê da brutalidade entre as nações.

Apostamos no cavalo errado, tivemos uma bolha de crescimento (ajudando a subornar a classe média), que explodiu logo em seguida. Delfim Neto diz que Geisel, ao assumir em 1974, “acertou” em se endividar ainda mais para não parar o país, pois senão seríamos “uma Bangladesh”. Vimos o resultado. Bangladesh é fichinha perto da hecatombe social que hoje nos devora. Mas Geisel errou ao “promover um plano muito ousado e desproporcional de investimento público”, diz Delfim. Tomei contato com os frutos dessa decisão. O empresário Luis Eulálio Bueno Vidigal, entre muitos outros, foi forçado a inchar sua planta industrial e com o segundo choque de petróleo, em 1979, ficou com o pincel na mão. Visitei as dependências vazias da fábrica de veículos ferroviários na Vila Leopoldina em São Paulo. Uma tristeza só.

A situação que vivemos hoje, de total dependência dos tais investimentos externos (pura especulação financeira que despeja dólar aqui para ganhar com o juro alto, o que torna o dólar “barato”) é resultado dessa política desastrosa que nos colocou no mato sem cachorro. Perdemos a soberania no parque industrial (e estamos perdendo no resto). Os pólos petroquímicos, por exemplo, uma idéia do nacionalista Bautista Vidal na época Geisel, caiu toda na mão de estrangeiros, como japoneses e alemães. Em nichos onde pretendemos saber alguma coisa, como foi o caso de Alcântara, o da indústria espacial, foi para o espaço com uma explosão mal explicada. Não temos direito à cidadania no mundo. Entregamos tudo e hoje tem gente que acha a fase militar da ditadura com alguns méritos.

Os militares tentaram compor nacionalismo com entrega do país via política econômica. Fizeram ao contrário de Getúlio Vargas, que fez política econômica com soberania. Deram com os burros na água. Tiveram que entregar o poder para o coronelismo dos grotões e os novos nababos da especulação financeira. Os militares deram o golpe em João Goulart (insuflados pela velha direita) iludidos que o trabalhismo no poder era ofensivo às Forças Armadas, uma ferida aberta pelo Corvo, Carlos Lacerda, naquele outro episódio mal explicado, o da morte do major Vaz, da Aeronáutica. A testemunha principal disse no Fantástico que Lacerda matou Vaz por acidente (foi se defender e acabou acertando o militar que era pago para protegê-lo) e deu um tiro no pé para tirar o seu da reta. Um atentado que mudou o país para sempre.

Agora estamos entrando em nova fase de ilusões. O total engessamento da economia é confundido com estabilidade (na época de Delfim, a inflação de 12% ao ano foi decidida por decreto). Na coluna de Mônica Bergamo (sempre entregando todas, com todas as letras) o mercado de luxo faz concessões nos preços, descendo do patamar de um trilhão de dólares a bolsa de luxo para apenas 900 bilhões. Um descaramento total.

Os americanos, de tanto disseminar o crescimento perverso pelo mundo, esquecendo suas raízes do capitalismo endógeno e bem sucedido, engendrado pela migração e o mercado interno, caíram na mesma arapuca. O caderno Dinheiro deste domingo, que traz o texto de louvação a 1973, publicou a matéria sobre os novos bilionários americanos. Deve ser o despertar do tal espírito animal dos empresários, de que fala Delfim justificando seus crimes. A má distribuição de renda atinge o coração do Império. Será que daqui a pouco haverá uma nova guerra de libertação por lá?

O que mais irrita é que economia, com a sacanagem geral do crescimento perverso, se transformou em matéria para iniciados. Você, como leigo, não pode fazer sua análise. Os formatrizes de opinião vão dar gargalhadas. Eles são modernos, eles são a coisinha da mamãe. Eles sim estão a serviço de uma ideologia. O que queremos apenas é o nosso país de volta.


RETORNO - Imagem de hoje: "Garoa", de Regina Agrella.

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