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19 de março de 2007
SOBRE O HEROÍSMO
Para isso os heróis foram desmoralizados no Brasil: para quem ganha oito paus e meio como ministro seja considerado um herói, conforme definiu o presidente Lula numa de suas notórias e consagradas elocuções desastradas. Triste país que precisa de heróis, dizia Brecht, vindo da terra do heroísmo, a Alemanha. Essa frase serviu para o exercício da má-fé, para que deixássemos de acreditar nas pessoas que conseguiram transcender sua trajetória arriscando a vida.
Para que não haja heróis, é preciso que não tenha havido guerra. Como somos uma nação imberbe, segundo a visão pessimista dos detratores internos (os externos só seguem o que formatamos aqui dentro), jamais lutamos por tamanho território. Para enfrentar a ditadura da época militar, foi engendrado uma versão de desconstrução completa dos nossos heróis. Enquanto outros países humanizam seus mitos, e assim atualizam a sacralização deles, nós decidimos achar que não passamos, desde 1500, de um bando de malfeitores e cretinos. Isso agora é ensinado nas escolas, destruindo o imaginário do País e entregando a nação às culturas que preservam seus heróis. Se somos uma nação que jamais guerreou, apenas fugiu da raia e da reta ou se entregou a rixas sem importância entre bandoleiros, ou a massacres sem sentido, então merecemos mesmo sermos invadidos pelos que chegam mascarados do seu heroísmo.
As homenagens aos nossos heróis jazem abandonadas na maioria das praças, ou pior, enterradas no coração seco da Pátria. Foi-se o tempo em que uma multidão enterrou solenemente em São Paulo, em 1924, o herói Siqueira Campos, o cara que dividiu a bandeira em muitos pedaços e os entregou pessoalmente a cada um dos combatentes na Copacabana de 1922. Ou quando todo estudante conhecia a frase imortal de Caxias, “quem for brasileiro que me siga” na guerra do Paraguai. Mas a guerra do Paraguai foi apenas um genocídio, claro, não lutamos contra um exército bem nutrido e bem armado e que nos invadiu primeiro.
Destruímos Canudos, a república fundamentalista e anti-republicana. O motivo era agradar os latifundiários do Nordeste, obviamente, e não impedir que guetos separatistas se instalassem no território. Brincamos de guerrear com a FEB na Europa, como debocharam cineastas e historiadores. Não houve heróis em Monte Castelo e por isso foi uma ilusão o que eu vi na barbearia em Uruguaiana, quando eu era adolescente: o cara que me cortava o cabelo me mostrando a imagem do horror: sua perna queimada por um lança-chamas na Segunda Guerra.
Também não ouvi a luta medonha dos anos vinte e trinta contadas noite após noite por meu pai e meu tio, que estiveram no front. A Batalha de Itararé, aquela que não houve, deixou inúmeros mortos não computados pela história oficial. Pois é preciso cristalizar a lenda de que não lutamos na medida em que desempenhamos na guerra. A versão vence o fato e todos somos uns poltrões da famosa anedota do brasileiro que se recusava a lutar (aquela do “seje bobo general”).
O povo também não derrubou pelas armas a República Velha, foi apenas uma acerto de elites. Aqueles cem mil voluntários gaúchos, aquele monte de gente morta em 1930, tudo isso é história para boi dormir. As batalhas de 400 mortos na Guerra da Independência contra Portugal, como nos conta José Honório Rodrigues, a mesma coisa. Estávamos, claro, apenas fazendo as vontades da Inglaterra.
A resposta de que receberia os ingleses à bala por parte do marechal Floriano Peixoto também deve ser inventada. O grande bombardeio da cidade de São Paulo em 1924 a mesma coisa. A Guerra dos Farrapos, contra monarquia, era apenas separatista, todos sabem disso. Nosso heróis eram falsos, vis, brasileiros em suma. Esses brasileiros...
Alguma coisa sobreviveu na memória, como a Coluna Prestes, mas essa era difícil de enterrar. A luta no Rio de Janeiro contra o projeto da França Antártica, a expulsão dos holandeses pela população insurgente, disso restaram inúmeras pistas, impossíveis de negar. Mas são ilhas num oceano de inutilidades. O fato de um brasileiro franzino ter ganho a corrida tecnológica do mais pesado do que o ar também não vale muito. Todos sabem que foram os americanos os autores da façanha.
Tantos heróis viraram fumaça. Restaram as caratonhas horrendas dos atuais donos do poder, que se locupletam com a miséria e a entrega do país. Heróis de araque, que merecem a denúncia do que representam: a destruição do Brasil Soberano. Hoje, mandamos soldados para servir de polícia no Haiti. Nos anos 40 do século 20, enviamos soldados para lutar contra o fascismo e o nazismo. Na volta para casa, nossos heróis foram usados pela direita para derrubar o governo que se manteve altivo durante todo o conflito.
RETORNO - Imagem de hoje: Mãos, de Helcio Toth.
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