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8 de janeiro de 2007
UM PEQUENINO GRÃO DE AREIA
Hoje não escuto qualquer tipo de música. Funciona apenas meu ouvido interno, fundado na lembrança. Tenho medo de ligar o som e despertar a atenção ao redor. Eles lembrarão, penso eu, de colocar seus guinchos horrendos de sertanejos, baticuns, raps e rip-rops. Há exceções, raras: escutei dias atrás no you tube a nova música de Cat Stevens, que resolveu pedir licença para sua religião e gravar de novo. Há anos não escuto Mozart, nem Brahms, nem Beethoven. Não escuto Beatles nem mais nada. Quero apenas o silêncio, quando há.
Conseguiram me afastar de tudo que lembre melodia, harmonia, arranjos. Esqueci do jazz, da música romântica italiana, da música francesa. Desaprendi as notas musicais. Emburreci. Fechei-me para desbalanço. Foram as décadas de primeira revolução industrial nos trilhos e motores de São Paulo. Foram os carros passando sem parar. Foi essa gritaria do gogó malvado, foi essa estupidez que tornou tudo igual, foi esse vibrato no final de toda frase musical, em canções que jamais acabam.
O rádio está ligado em alguma dessas coisas. Você vai lá e desliga. Liga uns dez minutos depois e está a mesma voz esganiçada berrando sem parar algo que considera a coisa mais tesão do mundo. Tem agora a moda fanha da voz. É algo que parece folha de outono, que vai caindo sem parar. Vi no centro do meu bairro, ao ar livre, algo assim: a garota fanhava sem parar trocando os ãos pelos ahumns. Era acompanhada de dois patetas que riscavam algo com cordas. Usavam calças aparecendo parte do púbis e do rego, que é moda agora. Falam em cintura baixa. É cintura nenhuma. É o gesto de se pelar em público.
Nas novelas, um rapazinho que ainda não engrossou a voz se esgoela em frente a uma peruinha que dá gritinhos apaixonados. Ele é tão romântico! Precisam ambos de boas palmadas. Vão estudar música no primário. Para isso, precisa resgatar o primário e fazer da música matéria obrigatória, de repetência. Rodou em música, repete de ano. Queria ver nahum aprender. Nheco nheco bilau bilau. Tá todo mundo precisando de laço.
Milhares de estudantes entre 14 e 17 anos desistem de estudar no Rio de Janeiro porque não aprendem nada em aula. Fizeram pesquisa. Deve ser em todo o Brasil. Os professores não ensinam nada, nada sabem e vivem um repetindo o outro. O estudo perdeu o sentido. A garota desiste da escola e vai para a balada e engravida. O garoto se enturma fora da escola. Existem milhares de professores desempregados. Tem gente qualificada comendo mosca por falta de oportunidade. Não há política pública que junte as duas pontas. Deixam a educação a cargo de ignorantes e medíocres, com exceções, claro, em toda a rede de ensino. Existem ainda grandes escolas, grandes professores e alunos aplicados. Mas falo do ensino de massa. Está atirado.
É por isso que as pessoas ligam o som e só sai porcaria. Não escutam nada que preste. Um terreno baldio aqui perto de casa, gigantesco, está sendo montado às pressas para as pessoas se entupirem na estrada, irem em massa com cerveja na mão escutar porcaria. É uma tradição, todo ano tem. Com apoio do poder público e da mídia. Irado, dizem. Irado estou eu.
Nos coletivos, fica um montão de gente se atordoando com fone de ouvido. É uma barulheira infernal. Precisamos de 50 anos de silêncio absoluto para voltarmos a ter música e a saber escutá-la. Shhhhhhhh!
RETORNO - Imagem de hoje: fotaça de Regina Agrella. A escolha da foto influenciou o título. É para cantar, no ouvido interno:...que era um pobre sonhador/ olhou para o céu, viu uma estrela..."
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