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11 de janeiro de 2007

IR À PRAIA





Ir à praia dá trabalho. Só passar protetor solar leva duas horas. E sempre fica uma ponta de garrão, um pedaço de nuca, um fiapo de tornozelo, para queimar à noite. Tem dias esplendorosos que fico em casa por preguiça de gastar essas melecas caríssimas. Como estou longe da beira, uns dois longos quilômetros, é preciso se armar de toda a boa vontade para chegar até onde, dizem, o verão refresca sob a ameaça de poluentes, especialmente os fecais, já que a ilha não dispõe de saneamento básico. Armar-se de espírito de pic-nic significa tentar sair várias vezes. Sempre falta alguma coisa. O chapéu, que odeia praia e se esconde embaixo de algum jornal velho. O calção, que pede aposentadoria mas, como eu, ainda tem algum bom tempo de trabalho pela frente. E as camisetas, dessas puídas, que são feitas para se encher de areia e são sacudidas ao vento para desespero dos outros banhistas, e que jamais estão perto de você na hora de partir para o banho salgado.

DESVIO - É preciso depois desviar de todos os ciclistas, pedestres, motoqueiros, caminhões, carrões e ônibus que insistem em evitar que cheguemos antes que o sol atinja a marca perigosa, aquela que sempre chega cedo demais, mesmo em horário de verão (ou apesar de, nunca sei o sentido certo do horário de verão, se é uma hora para cá ou para lá). Tem os becos, as servidões, os mata-burros, os buracos para transpor. E também a rodovia principal, que despeja dez mil veículos por segundo exatamente no ponto em que precisamos passar. Não tem sinalização, então é tudo feito no grito, na cara e na coragem. Cruzar a estrada para chegar ao outro lado, onde fica o mar, é um transtorno diário para quem tenta ser veranista como eu.

VAGA - Mas, desfeitos todos os contratempos, você chega a tempo de colocar sob o sol claudicante seu carrinho desprezado por tantos poderosos motoristas que jamais dispõem de paciência de compartilhar a rua com você. A vaga é imediatamente cobiçada, mesmo que você esteja totalmente instalado nela. Então você se esgueira pelo meio-fio, acha uma abertura para a praia, mete o pé no areão escaldante e pronto: lá estão todos eles, jogando frescobol ou futebol mesmo, com a intenção óbvia de acertá-lo no primeiro instante em que você chega perto das ondas.

APITO - Mas você não dá bola. Deposita a roupa sobressalente - camiseta, chapéu, bermuda, óculos, carteira, chave do carro, protetor, tudo formando uma maçaroca - e parte firme para seu objetivo. O mar está normalmente encapelado, às vezes morno e há várias bandeiras vermelhas te proibindo entrar por ali. Você escolhe o lugar mais apropriado, para não ser alvo do apito frenético dos salva-vidas (que ganham por apitada) e finalmente mete o pé na água. Mas eis que vem um surfistinha, desses que dizem "sai da frente", com a evidente e sorrateira vontade de te atingir o olho esquerdo com um pranchaço. Mas você pode mais, pois é bem maior que esses fedelhos, e abre caminho. Mais adiante estão os surfistões, os marmanjos mangolões que se atiram das ondas e vem direto para você. Aí você sai da frente. É melhor.

PRAGA - Então você, no maior cuidado, encontra um pedacinho de oceano para refrescar o corapanzil quando então chega o Conversador. Ele vem vindo, vindo, para te perguntar se ali dá pé ou se o mar é sempre assim. Não costumo dar trela ao Conversador, pois sou escolado nessas pragas e vou me afastando. Mas aí chego perto da área proibida pela bandeira vermelha e lá vem o salva-vidas saradão te avisar que deverias estar em casa, longe daquele perigo. Replicas que vives ali mesmo há anos e que conheces bem as manhas do mar. O salva-vidas ri. Nunca viu uma bóia dizer que sabe nadar.

HORIZONTE - Afora isso, é um delícia. Você gasta uns mil dólares para tomar uma água de côco, que vem chocha e azeda, escapa dos vendedores de qualquer coisa, como os que vendem queijo na brasa (é verdade! eles passam com o troço fumegando) e roupitas de verão, fora os chapéus de vários tipos, que jamais servem em você. Os vendedores também adoram descansar bem na minha frente, para evitar que eu olhe um pouco o horizonte. Lá fica o cara de camiseta regata a coçar uma perna com a outra, olhando as frangas. Quando você desiste de tudo, ele também vai embora. Você volta e tem que enfrentar tudo de novo. E quando chego em casa com aquela cara de mar e sol, todos dizem: como te fez bem o banho de mar! Só eu sei.

RETORNO - Imagem de hoje: a praia é boa, o banhista é que é mais ou menos.

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