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13 de outubro de 2006

O TEMPO: PRESSA E SILÊNCIO





Tenho quinze para dezesseis anos, costumava-se dizer. Era a pressa de envelhecer, que passava por cima da lógica (você não pode ter 15 para 17). Hoje temos 57 para 56, diminuímos, junto com a estatura, já que os ossos, com o peso da idade, vão se acomodando e nos permitindo ver o mundo com outros olhos, ou seja, de uma perspectiva bem mais embaixo do que estávamos acostumados. Vamos diminuindo de tamanho, expandindo para os lados, escandalizando as pessoas, que gritam, como se estivessem diante de uma porta aberta de automóvel: caminhar, caminhar! Precisamos caminhar, andar a esmo com bonés de terceira idade, fazendo pose para matérias sobre qualidade de vida, em que somos apresentados como o novo filé dos consumidores, exigentes, papas finas da sociedade do toma lá-dá-lá. Caminhante não há caminho, o caminho se faz ao andar. Eu não caminho, ando. Mas isso é insuficiente. Provoca cenhos carregados e balançar negativos de cabeças pensantes.

SOM - Há muito barulho numa vida longa, por isso gostamos, quando chegamos perto dos 60, da boa vida do silêncio absoluto. Não tolero mais qualquer tipo de som, seja de boa ou má qualidade. Não quero ouvir música, pois minha cabeça está habitada de outras coisas. Não há espaço para notas musicais, assim como não há paciência de ouvir catequeses de pessoas infinitamente mais jovens. Há uma histeria coletiva de dedinhos levantados. Todos estão prontos para ensinar alguma coisa. Sacodem afirmativamente a cabeça enquanto nos olham, penalizados. Passo em frente a uma nova birosca natureba e sou abordado por moçoilas comercialistas agressivas, que insistem que eu vá lá consumir as porcarias deles feitas a base de soja transgênica, ou livrecos de auto-ajuda dizendo como deves ficar em busca do teu verdadeiro tu. Há falta de paciência entre os mais velhos, que querem apenas ser escutados. Lutamos por um ouvido, mas todas as orelhas estão ocupadas com o som do momento: untz, untz, untz, untz.

TÉDIO - O mais grave é quando, na segunda frase, alguém ensaia um bocejo, que ao desenrolar da conversa vai ficando mais explícito. Platéias cativas só existem se houver dinheiro no meio. Ou te pagam para escutar, se tiveres capital simbólico suficiente, ou pagas para te escutarem, se fores um infeliz absoluto. Mas o bom mesmo é não falar para ninguém, ficar absorto fumando algo, escondido de todos, pois é proibido fumar. Você deve ficar em forma para morrer com plena saúde. Costumam morrer correndo ou fazendo esses exercícios tirados da velha ginástica sueca e que servem para detonar os velhos iludindo-os que são grandes comedores. Em qualquer idade, o que vale é a inteligência e a sensibilidade. Barriga de tanquinho serve para quarar roupa.

VOTO - Para ser de esquerda, vote em quem permitiu que os bancos tivessem os lucros mais fabulosos do mundo e de todos os tempos. Vote em quem gastou dois bilhões e meio de reais ( o que dá mais de um bilhão de dólares) em publicidade. Vote em quem aprofundou a miséria e o terror no país em frangalhos. A outra alternativa é votar em que promete privatizar o Estado e fala em desenvolvimento depois de mandar calar a boca de um assessor que tinha uma proposta interessante de política econômica (a ditadura não admite defecções). Você tem duas alternativas: ou vota na direita, ou então, na direita. Se você votar na direita, será acusado de direitista. Mas se só tem direita como alternativa, então todo mundo é de direita.

ADVERTÊNCIA - Lá vem os catequistas advertindo que se votar contra o sujeito que enche as burras dos bancos é votar na direita. Ou então os que invocam todos os preconceitos para não votar no governo. É tudo uma súcia. É preciso que todos, inclusive eu, calem a boca. Mas calem por espontânea vontade. Se mandarem calar, todos vão gritar. Na terra de escravos, todo mundo é senhor.

RETORNO - Imagem de hoje: Edifício Copan, por Regina Agrella.

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