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8 de outubro de 2006
A CULPA GEOGRÁFICA
Luis Inácio da Silva é nordestino, Lula não. Confundir as duas coisas faz parte do seu jogo de cena. A origem política de Lula não é Garanhuns, Pernambuco, mas o Grande ABC, território das multinacionais, enclave da indústria estrangeira no miolo do Estado de São Paulo. Foi lá que Lula encontrou ambiente para virar líder sindical, já que os sindicatos existiam e foram garantidos, na Era Vargas, contra a vontade dos patrões. Lula usou as reivindicações dos trabalhadores para se transformar na alternativa da direita, que precisava de um substituto para galvanizar o voto trabalhista, existente desde os anos 30. Fez bem a tarefa. Cumpriu a escrita, graças ao apoio de Golbery, Murilo Macedo e Paulo Egydio Martins, respectivamente ministros e governador paulista da ditadura. Quando a partir de 1989, na primeira eleição presidencial, a manipulação do voto já estava garantida, concorreu para derrotar o trabalhismo e perder para o projeto neo-liberal. Hoje, Lula acha que o senador Collor vai fazer um bom trabalho, "graças à sua experiência como ex-chefe da nação". É um deboche contra todos os que se indignaram contra Collor e apoiaram Lula na época.
SUSPEITO - São Paulo só gera desastres políticos, disse um dia JK, frase que é um primor da culpa geográfica. São Paulo inventou sua própria hegemonia histórica e política e precisou ser derrotado duas vezes pelas armas (em 1930 e 1932) para tirar as patas de toda nação. Voltou em 1960, com a invenção do populismo via Jânio Quadros, que cuidou de desestabilizar o país e tirar novamente o trabalhismo do poder. E agora está de volta outra vez, com os oitos anos de FHC e os quatro de Lula. São Paulo dispara seus preconceitos contra o Nordeste que, enganado, votou no traidor. A divisão do país pelo voto está alimentando a culpa geográfica, aquela síndrome brasileira de identificar o crime com o lugar onde você está ou nasceu. É costume fazer a seguinte acusação: mataram alguém lá no teu bairro, lá perto onde você mora! Como se você tivesse a ver com isso. Pois tem: está perto, é suspeito. Se sua origem é o chamado Sul (uma invenção paulista, já que são três estados completamente diferentes entre si) ou o Nordeste (que por muito tempo foi englobado no chamado Norte), então estás perdido. A culpa do caos em Sampa? Muito nordestino. Crimes? Nem se fala. Na política, o Sul foi achincalhado como uma excrescência e hoje como uma curiosidade. Basta falar em gaúcho que caem na gargalhada. Perdas internacionais? Conta outra!
PÉS - Os bancos são donos dos jornais, como já tinha notado Trotski em Dez dias que abalaram o Mundo, de John Reed. Os banqueiros emergentes compraram jornalistas, que adoram atacar Lula, defender o tucanato, demolir Marilena Chauí, falar mal dos brasileiros. Como o jornalismo foi erradicado das redações e o que restou foram, em sua maioria (com raras e honrosas exceções) falas corporativas, notícias plantadas e dossiês negociados (tudo hoje sob a guarda e chancela de CEOs e a tal área de conteúdo), o pobre leitor se dirige às colunas de opinião. Lá, ele descobre que Carlos Lacerda nunca matou ninguém, como disse um notório reacionário ignorante de História do Brasil (deu o golpe de 64, só isso basta); que a chamada estabilização econômica foi árdua tarefa do genial tucanato, como disse outro, encastelado num jornalão paulista (dito colunista é o melhor texto que pode ser escrito com os pés); que Marx e Weber estão ultrapassados, como disse ontem blogueiro oficial de outro jornalaço ( adoram decretar o fim de Marx ). São jornalistas a serviço da ditadura civil, propriedade dos bancos e de todo o sistema financeiro, que é o único que lucra os tubos com todo esse arrocho ( por que os bancos lucram quando ninguém tem fundos? que estranha coincidência!).
CHUCHU - Ninguém fala na imprensa do voto anti-Lula. Ficam achando o Alckmin o novo rei da cocada preta, como se voto fosse chuchu que dá na cerca. Em função do voto anti-Lula, talvez tenhamos de novo esses tucanos vendedores da Pátria no poder. É uma tragédia. São Paulo, de novo! Posição geográfica: culpado! Para escapar dessa síndrome da culpa geográfica, basta virar os próprios argumentos contra ela. Ou então elevar o nível do debate.
RETORNO - Imagem de hoje: Vista aérea de Uruguaiana, entrada principal do Brasil Soberano. Foto de Anderson Petroceli, que, como eu, é culpado de ser da fronteira.
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