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11 de outubro de 2006

ANTI-ÉTICA DO NEOLIBERALISMO


Chuchu ou quiabo? pergunta Geraldo Hasse, jornalista, escritor de primeira água. São ingredientes do mesmo prato, portanto estamos liberados da obrigação de tomar partido por um ou outro. Alckmin é assumidamente neo-liberal, Lula ainda guarda resquícios da sua militância anterior à campanha de 2002, antes de se revelar o grande traidor das lutas populares. Quem vota em Lula, que tem um vice do Partido Liberal, deve assumir seu lado neo-liberal, nota daniduc, no debate deste jornal. O que é neo-liberalismo? Num artigo de 1999, publicado no JB, Barbosa Lima Sobrinho explica: "Os governos deixam de ser guardiães de seus contribuintes que os sustentam e passam a representar uma espécie de guarda pretoriana dos investidores externos. E, se não exercer bem essa função, cada governo passa a ser responsável por indenizações para cobrir qualquer intervenção do Estado suscetível de reduzir a capacidade das corporações de obterem um lucro maior. A simples perda da oportunidade de lucro, algo em princípio subjetivo, já justifica o direito à indenização".

Em outro artigo, Mario Maestri, em 2003, explica o que aconteceu com Lula, o neo-liberal: "Em meados de 2001, o Instituto da Cidadania, ong particular de Lula da Silva, apresentou minuta de programa eleitoral assinada por quatorze burocratas petistas excelentes defensores das propostas social-democratas e desenvolvimentistas-burguesas - Aluízio Mercadante, Eduardo Suplicy, Maria da Conceição Tavares, Paulo Singer, etc. O programa Um outro Brasil é possível tranqüilizava o capital prometendo respeito aos marcos do estado de direito e às limitações legais e institucionais. Portanto, excluía a negação da dívida, a nacionalização do sistema financeiro, a estatização do comércio exterior, a expropriação radical do latifúndio, a recuperação das privatizações".

POVO - Invocado com a fervura do debate, fui atrás do sábio da praia. Mas não encontrei Sinistrus Joe no seu puxadinho. Resolvi chegar na Biblioteca Submersa de Jack, o Marujo, que lá estava, de plantão como sempre, com seus cabelos carapinha muito brancos saindo para fora do boné de marinheiro, lendo com dificuldade (pois apertava os olhinhos, sem óculos) uma brochura caindo as pedaços e parcialmente molhada.
- Não vi o Joe hoje, me disse. Mas é possível que ele tenha entrado na Biblioteca pelo lado do mar. Joe gosta de mergulhar e assim ele sai dentro da sua sala favorita.
- E onde fica? perguntei.
- E eu sei lá? Nunca vou por aquelas bandas. Fico por aqui, cuidando da portaria. Quem quiser se aventurar, que vá até onde quiser e pegue o que bem entender. Estou muito velho para me preocupar com os outros.
- O senhor está acompanhando a campanha eleitoral?
O velho me deu uma olhada de viés e fechou a cara. Parecia que ia entrar no livro que segurava com suas mãos tão enrugadas e cavernosas que pareciam desenho pop de algum alucinado.
- O que o senhor está lendo? Era eu de novo.
- O senhor faz muitas perguntas. Não é de estranhar que Joe, logo que avista o senhor chegando, se atire na maré em busca um pouco de sossego.
- Será que ele está me evitando?
- Claro que sim. Ele vive se queixando. Diz que o senhor nem sabe o que é povo.
- Como, assim? Eu sou do povo.
Jack teve um ataque de riso. Depois se recompôs, olhou de novo seu velho livro e lascou:
- Não é não. Povo é uma coisa que existe fora de você.
Comecei a ficar espantado com a articulação de pensamento do velho. E tinha a mesma verve de Joe para me criticar.
- Sou completamente misturado, vivo com um pé na pobreza, odeio esnobismo, luto contra preconceito de classe, votei no Lula em 2002, mas desta vez...
- Tudo isso não te faz povo. O povo é uma entidade coletiva que existe para que os outros, os que não são do povo, possam mandar nele. Porque no fundo, o povo não existe. O que há são pessoas como tu e eu.
- Helio Jaguaribe disse que existem brasileiros primitivos, que votaram no Lula.
- Jaguaribe, esse aí que estás dizendo, deveria ser preso. Primitivo é ele.
- O povo brasileiro não tem em quem votar. Então vota de acordo com o que pensa ser mais útil. Era Joe chegando, todo molhado do seu mergulho. Trazia um livro debaixo do braço.
- O que estás lendo, Joe? perguntei.
- Leio Max Weber, A ética protestante e o espírito do capitalismo. É um livro maravilhoso. Ele inventa o sistema capitalista regido pela ética, o que é uma utopia. Aqui no Brasil, terra da festa dos banqueiros, ninguém pode ter a ética como parâmetro. Vira deboche. O que houve foi que nosso dinheiro não vale nada, é só papel pintado. Por isso rola pelas cuecas da vida.
- O povo não tem em quem votar porque se submete à ditadura, disse eu.
- Não, senhor escritor. O povo não tem em quem votar por isso se abstém, vota nulo, vota anti-Lula, vota Alckmin ou vota Lula. É assim que funciona.
- Ok, mas o povo precisa ter em quem votar.
- Por que o senhor não se candidata? Funde o Partido do Brasil Soberano.

Insatisfeito com a conversa, cheio de dúvidas, saí de fininho. Achei os dois meio alterados. E eu precisava voltar para a palavra escrita. A realidade sempre me incomoda.

RETORNO - 1. Imagem de hoje: Max Weber, ainda adolescente, com seus irmãos. Foto de 1879. 2. A Folha de hoje diz que Delfim Netto foi ao microfone para declarar que apoiar Lula é uma forma de "resistir à volta da política que destruiu esse país, à política que impediu que esse país se desenvolvesse", em referência à era Fernando Henrique Cardoso. "Esses quatro anos do Lula criaram as condições para uma volta ao crescimento decente, com mais justiça social, com mais emprego", disse. Veja como são modernos! Estão com Delfim Netto, o ogro da ditadura de 64. Depois eu digo que estamos ainda na mesma ditadura e ninguém acredita. Muitos se acham modernos e me chamam de passadista. Pois aí está, futuristas: fiquem com Delfim Netto, o novo luminar da Grande Resistência. Ditadura, mil vezes ditadura.3. Voltaram a manipular a intenção de voto, via pesquisa. Depois o adversário "surpreende" e a imprensa inteira vai atrás de explicações.

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