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30 de setembro de 2006
VIDA ADULTA EM PAÍS MADURO
Imagino como deve ser a vida num país adulto, diferente do nosso, infantilizado por 42 anos de ditadura. As pessoas, nesse país que imagino, têm existência real, e não são apenas espantalhos, como acontece no nosso. Servimos para assustar os urubus na tarde cinza, enquanto a seara é toda colhida em proveito dos porcos da Ásia. A arte que produzimos reflete esse estado de miséria mental. A música está cheia de vibratos (fanhos, o que é pior), aquele espichamento das frases melódicas até a exaustão. Você está fazendo compras num supermercado qualquer ou numa loja e quando nota está louco para sair porta afora. É a gritaria sem fim de canções imbecis, produzidas aqui ou importadas, mas consumidas pela pobreza espiritual a que fomos reduzidos. Na literatura, os engraçadinhos fazem a festa, chafurdando no que acham transgressão, enquanto deixamos de lado os grandes romances, os que trazem gente de fato em situações de risco e conflito. Brincamos com as palavras enquanto nos tungam pela porta dos fundos.
ANISTIA - As artes plásticas se abraçaram ao marketing e as performances se parecem a campanhas publicitárias. Não é por acaso que o espaço mais generoso para a arte está nas colunas sociais. O cinema, em grande parte (com honrosas exceções), já falei aqui: basta uns segundos de filme para alguém tirar a roupa e começar a respirar apressado enquanto a câmara flagra a bunda aos pulos e as pernas escancaradas. Tudo cacifado pelo dinheiro público. Para coisas assim servem os impostos. Por que chegamos a essa situação? Porque nos deixamos enganar. Todos acreditam piamente que estamos numa democracia, que as diretas-já foi um movimento vitorioso (não foi, acabou sendo derrotado no Congresso), que o poder migrou dos militares para os civis (não foi, o poder continua sendo o da pirataria financeira, que insufla a dívida impagável, até chegarmos à situação de entregarmos o território) e que a anistia serviu para trazer a oposição de volta (não é verdade, a oposição foi assassinada e a anistia serviu para livrar a cara dos torturadores). Como nos deixamos enganar, então nos reduzimos ao pó de traque.
INGLATERRA - Já ouviram falar nos Dois Filhos de Francisco, aquele filme idiota que apareceu em todas as mídias divulgando a gritaria dos bestalhões milionários que berram sem parar? Para onde foi essa joça? Ninguém fala mais nada. Porque nunca prestou. E queriam que ganhasse o Oscar! Agora pega um filme como Orgulho e Preconceito, baseado em romance de Jane Austen, sobre uma família de caça-dotes que no conflito encontra desespero, paixão e finalmente amor. Um filme para ver com a respiração suspensa, absolutamente maravilhoso, de um país adulto, a Inglaterra, para platéias adultas. As pessoas existem porque há escritores sérios com poder, que cruzam os séculos com seu recado e hoje deságuam na industria audiovisual com uma produção, direção e atores de tirarem o fôlego. Obteve quatro indicações ao Oscar, deveria ter levado todas.
PELADAÇA - Essa constatação, de que a Inglaterra é um país adulto, não significa que devamos ficar admirando sem restrições as outras nações. Hoje, qualquer país está abraçado à bandalheira da falsa cultura de massa, a idiotização total. O que define o perfil da nação são suas exceções, a coragem de fazer algo à altura do destino humano. Ao enxergar bons exemplos fora de nós, devemos voltar os olhos para o que fomos transformados, e ver o fundo do poço que atingimos. Já fomos melhores. Mas a ditadura desconstruiu a imagem do Brasil soberano e substituiu a nação que já foi livre pela mulata sambando de fio de dental para gringo ver, como até agora acontece. A mais recente reprodução dessa desgraça foi num evento esportivo transmitido pela televisão. Juro que vi uma peladaça vestida de paninho verde amarelo rebolando a celulite (o que isso tem a ver com esporte?). Por que acontecem essas coisas? Porque no Brasil os proxenetas, os cabareteros, os putanheiros, possuem poder, só pode ser. Agora vai lá e vota nesses pulhas, vai, vota.
RETORNO - Imagem de hoje: a dança de conflitos entre Matthew Macfadyen (Sr. Darcy) e Keira Knightley (Elizabeth Bennet) em "Orgulho e Preconceito" (2005, de Joe Wright ).
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