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12 de setembro de 2006
CASTELO DE VIDRO
Nei Duclós
Contornei o grande muro do Castelo, que fica situado no miolo da cidade. Em algum lugar as pessoas eram engolidas pela construção. Não atinava onde ficava exatamente a abertura. Mas ao tentar apalpar uma porta de vidro fumê, ela bruscamente obedeceu. Junto com um grupo, me transportei para dentro do vasto recinto.
Bastou entrar para não enxergar mais a portaria que me franqueara a invasão. O labirinto tinha sido feito de propósito. Uma vez aceito no ambiente climatizado, pontuado por seguranças, voltar para a rua vira uma idéia absurda. A não ser que houvesse uma insurreição, a quebra de alguns vidros ou todo mundo se atirasse do quinto andar, que é o segundo do estacionamento, ou do quarto andar, que é o primeiro.
Notei que romper a lógica era um dos muitos instrumentos do Castelo. Você não pode seguir exatamente as setas, que apontam para vitrines e não para os sanitários ou telefones. Deve-se raciocinar e fazer a tradução dos signos para a orientação dos passos. As escadas rolantes estão sempre situadas no lado oposto onde nos encontramos. Imaginei que havia uma rotatória que nos punha frente a alguma megaloja enquanto procurávamos mudar de andar.
Mesmo dentro do banheiro é impossível vislumbrar uma saída. Estamos condenados a ficar lá indefinidamente e, exaustos, abrir portas que dão para privadas achando que conseguiremos escapar da armadilha. Quando finalmente nos livramos do sanitário, eis que estamos de volta ao templo do consumo, uma espécie de não-nação com palavras estrangeiras por todo lado.
Há lugares assustadores, como os cantos dos últimos pisos, onde se concentram comércios invisíveis. Mas o lugar mais sinistro é onde as pessoas se reúnem para comer. Todo mundo precisa repor energias para forçar a fuga do labirinto. Mas em vão. Existem funcionários - só pode ser gente contratada - que fica cuidando dos lugares, ou seja, impedindo que as pessoas se sentem e comam. Fica-se com a bandeja servida, de um lado para outro, em meio a inúmeras mesas vazias, que estão ocupadas por bolsas, adolescentes ou idosos encarregados de reservar as cadeiras para pessoas que estão na fila.
A concentração maior é a das refeições abaixo dos cinco reais. Todas as outras estão mais ou menos disponíveis. Mas é na fila imensa que você se posta, pois conta com pouco dinheiro e não sabe se vai encontrar determinada peça do vestuário. É para isso que serve o Castelo: para mudar o guarda-roupa, mas normalmente um caminhão de grana é depositada no caixa em troca de um trapinho colorido.
É a moda, são as estações nos dizem. Enquanto a friaca nos lambe os calcanhares, as atendentes, sempre solícitas, estão com maravilhosas roupas da próxima primavera. Para onde foram as blusas de lã, os casacos, os cachecóis? Tudo vendido, você chegou tarde. Mas não sobrou nada, nem uma peça de número maior? Ah, essas são as primeiras que saem. Mas se os grandes panos somem, por que não repõem? Ninguém explica. Sobram as vestes miúdas, aquelas que cobrem apenas um ombro ou meio quadril e deixam latifúndios de umbigo, ou canela, de fora.
Você então vai em busca de uma saída. Mas as ruas são perigosas. Fique aí dentro do Castelo de Vidro. É mais seguro.
RETORNO - 1. Imagem de hoje: foto "Paulista 200", de Helcio Toth. 2. Crônica publicada hoje no caderno Variedades do Diário Catarinense. 3. Nova foto institucional: o poeta e a lua diurna, por Juliana Duclós. 4. Novo link permanente, no lado direito deste espaço: o blog "Nada a ver", de Ida Duclós que atualmente cruza memórias familiares com o Brasil de outros tempos. 5. Atualizações do Outubro: webmaster Miguel Duclós.
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