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27 de agosto de 2006
A SOLIDÃO DOS BRAVOS
Graças a José Onofre, consegui localizar meu filme favorito de Kirk Douglas. Trata-se de Lonely are de brave, com roteiro de Dalton Trumbo. É um filme que originou um gênero, um desdobramento do faroeste. É o cowboy que não se entrega à modernidade. Temos exemplo recente de Os Três enterros de Melchiades Estrada, dirigido e estrelado por Tommy Lee Jones e com roteiro de Guillermo Arriaga, o mesmo de 21 Gramas e Amores Perros. O cowboy vai para o México enterrar o amigo, conforme prometeu. Nos dois filmes, Jones e Douglas enfrentam a perseguição da moderna polícia, armada até de helicópteros.
Não conseguia localizar o filme, mas com a informação valiosa de José Onofre, de que o xerife que perseguia Douglas era interpetado por Walter Matthau, cheguei lá. É um filme inesquecível. A bravura, a solidão, a determinação. O ritmo, a grandeza, a direção coompetente, o roteiro esplêndido. Queremos filmes assim. Queremos nos sentir corajosos para enfrentar tanta barra.
Queremos ficar longe de outro tipo de filme. Uma flor de manipulação é Memórias de uma gueixa, lançado no início do ano no Brasil. Atrizes chinesas (entre elas a exuberante Gong Li, que aqui é destruída pela péssima direção) fazem o papel das gueixas japonesas, maquiagem equivocada e o pior: o caso de amor entre a gueixa e seu príncipe encantado só acontece depois que o coronel americano desfruta da pobre asiática. Os americanos não se enxergam.
No filme Olga, há qualidades. Jayme Monjardim é um diretor eficiente, sensível e especialista em relações amorosas. Sabe filmar gente se amando como ninguém. A seqüência da aproximação entre Prestes (Caco Ciocler, excelente) e Olga (Camila Morgado) é antológica. Mas em cenas de batalha ou bastidores da política, todo o cinema brasileiro está muito abaixo do que se consegue no cinema americano. Falta dinheiro e gente especializada. Por que não trazem os gringos? Para isso precisa trazer os americanos, e não para todas as outras coisas. Há rigor mortis nos diálogos políticos. Não há vida, como vemos nos filmes de outros países. Talvez porque não levemos a sério a política.
Olga é um filme que não leva a política a sério. Quem vence é o amor entre duas pessoas e seu fruto, a filha Anita, mais a mãe, Leocádia (com uma perfeita Fernanda Montenegro). E não o carisma de um líder, um processo histórico conturbado, uma luta entre ideologias. Outro equívoco é achar que Olga era idealista. Olga era marxista, anti-Hegel, portanto, racional, pragmática, objetiva. Ficam vazios seus discursos apopléticos pelo mundo melhor. Ela lutava para que a sociedade humana cumprisse seu destino, segundo a ótica teleológica marxista, ajudando a desencadear as forças sociais que fariam a revolução. Qualquer manual marxista explica isso, mas um filme é feito de versões, jamais de História.
Essa foi a intenção do filme, a de romancear, mas não se pode passar por cima de algumas coisas básicas. Apesar da vasta bibliografia sobre o tema, a cultura de massa pouco ou nada entende de marxismo. A exceção é Gillo Pontecorvo, em Queimada, que é uma aula de materialismo dialético.
A pior parte do filme é, claro, sobre Getúlio Vargas. Osmar Prado está ridículo no papel de um falso Getúlio.O sotaque gaúcho exagerado e forçado serve apenas para reafirmar preconceitos. O de que Getúlio tenha vibrado com o desterro de Olga para a Alemanha. Ou que Getúlio tivesse dado ordem direta para tanta tortura e crueldade. A prisão e a tortura dos insurrectos estava a cargo de Felinto Müller, que tinha contas a acertar com Prestes (assim como o atentado da rua Toneleros foi obra exclusiva de Gregório Fortunato e Bejo Vargas; só Lula pode não saber o que fazem ao seu redor; Getúlio não). A frase de que a heroína era um presente de Vargas para Hitler é de uma perversidade sem fim. Faz parte da campanha de calúnias contra o grande presidente e isso é tão poderoso que às vezes até o diretor ou o roteirista nem se dão conta da profundidade dessa infâmia. Apenas reproduzem o que é aceito normalmente. Trata-se de uma avalanche, que tem raiz na política e ganhou força na universidade e agora na cultura.
Em 1936, o Brasil tinha relações normais com a Alemanha, assim como todo o mundo. Não havia guerra contra o nazismo. Getúlio cumpriu acordos internacionais. O regime de Vargas não matou nem Olga nem Prestes, que saiu da cadeia dez anos depois. Assim como não matou outros presos ilustres, como Graciliano Ramos ou Monteiro Lobato. Já Vladimir Herzog, o filho da Zuzu Angel, o deputado Rubens Paiva e tantos outros...1964 deu um jeito.
No filme de Monjardim, o heroísmo de Olga está bem trabalhado, com uma Camila Morgado esforçada na sua performance sofrida. Essa coragem que deita raízes e serve de exemplo, mesmo que suas histórias, às vezes, estejam cercadas de interesses que extrapolam a produção cinematográfica.
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