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16 de maio de 2006

SÃO PAULO, CIDADE ETERNA





O que fizeram com São Paulo, a cidade da ação e do destino, fizeram como o país. Sugaram ao máximo a força da grande cidade, a que nos criou para a vida adulta, porque nos colocou contra a parede e também abriu as janelas para podermos viver. Décadas de indiferença e ganância transformaram a capital num pesadelo. Lembro momentos terríveis que vivi ali. O s saques de 1982, o grande black-out de 1985, as enchentes que me cercaram e impediram de chegar em casa por mais de uma vez. Lembro os momentos grandiosos e assustadores como a gigantesca manifestação da Praça da Sé em favor das Diretas-Já, em que me espremi pela multidão achando que dela não sairia inteiro. Lembro o corpo de Ayrton Senna passando diante da população em prantos. Ou a celebração de vitória de Lula no primeiro turno em 1989, na avenida Paulista, em que fui espectador mudo, pois sabia que ali o trabalhismo tinha perdido sua oportunidade histórica.

CORAGEM - Lembro, São Paulo, cada gota, cada passo, cada lufada de frio e calor que tuas ruas me proporcionaram em três décadas de convívio contigo. Agora que estás entregue à sanha assassina de governantes e bandidos, te vejo assustada, em pânico, tu que és a coragem feito cidade, tu que me recebeste depois de tanto exílio interno, quando cheguei a ti pensando em voltar logo. Mas me acolheste, São Paulo, me deste tudo o que tenho ou terei. Foi duro cruzar o tempo, passando pelo teu centro majestoso, tuas avenidas lotadas, tuas ruas incompreensíveis, teus bairros ocultos ou explícitos. Estive em cada pedaço de chão construído pelo Brasil em frangalhos. Vivi contigo o amor de um cidadão pelo lugar que o adotou. E nem posso te agradecer, São Paulo, porque és maior que todos nós e temos contigo uma dívida impagável que só contraímos com nossos pais ou com os camaradas de guerra. Não podemos te homenagear dizendo que te amamos, São Paulo, porque és gigante para tão pouco amor, o maior que podemos ter. Não cabes em nosso coração pequeno, cidade da minha vida. E agora que te enxergo longe como se nunca tivesse vivido aí sei o quanto dói ser teu e não poder fazer nada. Porque te destruíram, São Paulo e sobrevives porque és eterna, como toda cidade verdadeira.

SOLIDÃO - Nada seria se não tivesse contigo essa dívida, São Paulo. As pessoas que vieram de todo mundo e encontrei aí, nas tuas esquinas, restaurantes, praças, locais de trabalho. Elas me ensinaram tudo, eu que vim de longe, do deserto, das cidades fechadas e tão famosas mas nenhuma como tu, que pulsa em cada rosto, em cada corpo, em cada idéia. Apodreceram teus rios, pixaram tuas casas, incendiaram teus ônibus, mataram teus habitantes. O que mais querem de ti, São Paulo? Que continues dando o que eles adoram sugar, que continues atraindo a solidão dos ermos de toda a nação perdida e transforme essa tragédia numa edificação, num concerto, numa revoada de fogos e pássaros? Já deste tudo, São Paulo e agora restas aí, sobrevivente de ti mesmo, ainda viva, porque se o mar também morre, como queria Lorca, tu, cidade maior, ficarás. Vais permanecer como no verso de Maiakovski, cruzando os séculos como os aquedutos romanos. Porque este foi teu destino desde o início. Foste o oásis dos desterrados das praias, foste o porto em cima da serra que inventou o país que não conhecia seu interior.

PORTAL - És a porta para o Brasil soberano, cidade dos meus sonhos. És fábrica, ilusão, corte marcial, vôo de luz. Quando te vi pela primeira vez era julho, São Paulo, e do Pacaembu até o Paraíso andei a pé e vi tua cor, tua grandeza depositada em majestade. Quem viveu e vive contigo São Paulo, é teu filho, que vê em ti o regaço de um projeto ainda em andamento: o de sermos livres, porque nos ensinaste a liberdade, como um herói que enfrenta os canhões sem nenhuma lágrima, apenas com o sorriso dos que se vêem humanos, precários, escassos. Mas por isso mesmo, donos dessa violenta paixão por uma cidade que provou ser o Brasil capaz de gerar sua própria transcendência.

MONUMENTO - Sou teu, São Paulo, e quando te ferem, sangro, quando te destroem, tombo, e quando te reconhecem, exulto. Quem hoje te mata passará. E sobreviverás a nós, monumento do que somos de melhor, representação de nossas vidas que encontraram em ti o caminho mais duro, e por isso mesmo, o mais belo.

RETORNO - Foto majestosa de Sampa, por Marcelo Min.

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