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18 de maio de 2006
LICENÇA PARA MATAR
Todos agora podem matar. O velho que foi deixado pela jovem namorada pode dar um tiro nela pelas costas e outro na cabeça. Os criminosos soltos matam policiais no trabalho e na folga. Os policiais matam todo tipo de suspeito e não divulgam o nome dos mortos. O falso empresário com medo de perder a teta nos serviços terceirizados da prefeitura manda matar o prefeito. As famílias se eliminam mutuamente: marido acerta a ex-esposa, o neto adolescente escolhe a avó, o padrasto se atira sobre os filhos. Você precisa de uma gentileza no trânsito? O sujeito vê a chance de te eliminar e acelera em cima do teu carro. O ônibus não desvia do garoto que está na pista, que não possui acostamento. Que interessa se a vítima está usando um espaço que lhe foi negado? O motorista joga cem toneladas em cima do pedestre. O racha mata em série. A estrada não duplicada mata os habitantes que moram ao longo do caminho. Os assaltantes matam na hora de roubar e se matam na hora de dividir o butim. Há incentivo por todos os lados: a corrupção, os vídeo-games, toda indústria áudio-visual. Os filmes dizem: matar é bom e é justo. Quem resiste a um agente britânico que tem licença para matar? A resposta é Jean Charles Menezes, um assunto que também foi assassinado, especialmente depois que o Brasil tomou chá com Queen Elizabeth.
HISTERIA - Mata-se com uma expressão, um comentário. Coloque na capa da grande revista semanal o evangélico pintado de dito-cujo para feri-lo mortalmente em sua fé e sua biografia. Exponha uma conta inexistente do presidente no Exterior para aumentar a histeria em cima do governo. Minta que não houve acordo com bandido, na maior cara de pau, como se todos fossem uns tratantes. Engula a declaração do líder da gang de que isso foi pouco, pode ser muito pior. Saia correndo como Mel Gibson em Maquina Mortífera antes de o cenário explodir. Deixe atrás de si um rastro de fogo, destruição e morte, mas não esqueça de olhar fixamente a câmara com teu olhar sampacu, representação da indiferença absoluta. Permaneça bem sentado enquanto a idosa cai pelas tabelas no corredor. Ou levantes-se acintosamente para dar lugar a alguém que não precisa, só para humilhá-lo (não esqueça de jogar em cima da vítima aquele sorrisinho "jovem"). Abra bem as pernas para ocupar o espaço do vizinho de banco. Fale sem parar todas as abobrinhas que te ocorrerem sem prestar atenção na irritação alheia. Faça o que quiser contigo, como aquela criança que se prostitui e diz que ninguém tem nada com isso.
CARIDADE - Mas já que optaste por este caminho, então prepare-se: como você quer a eliminação total do Outro, fique atento porque vão te pegar. Pois fazes parte de uma corrente infinita de horror. És o Outro que não suportas. O sujeito te olhou feio? Mate-o. Não conseguiste teu objetivo? Alguém é culpado e merece morrer. És o alvo. Não aposte na gentileza, sinônimo de fraqueza. Não seja solidário, a não ser que ganhes uma boa grana com isso. Como não há solidariedade, o amor ao próximo virou um grande negócio. Sempre achei a frase dos espíritas " fora da caridade não há salvação um grande exagero". Hoje não acho mais. Não falo aqui da caridade que tentar tapar o sol com a peneira, o falso bem se manifestando numa sociedade perversa de classes. Mas a caridade que gosta de conviver com o próximo e acha que cada um faz pare não só de uma nação, cidade ou comunidade, mas de uma poderosa sintonia entre criaturas. Perdemos a emoção da convivência. É só começar a falar que as pessoas bocejam. Ou completam o que acham que querias dizer. Ou avisam: isso você já falou. Sim, falei, mas cada momento é diferente. Vejam as dunas de David Lean: nunca são as mesmas. O vento sempre sopra de uma fonte invisível e diversa.
RETORNO - 1. Meu conto " Deve ser os nervos" foi publicado hoje no espaço Literário do Comunique-se. 2. Miguel Ramos cria a comunidade Diário da Fonte no Orkut. Participe, comente, opine!
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