Páginas

21 de abril de 2006

O MESTRE PARTE PARA ETERNIDADE




Telê Santana morreu depois de longa agonia. Tinha a voz travada, os movimentos inseguros, o olhar vago. Exatamente o contrário do que sempre foi: firme, determinado, decisivo. A família acusou o martírio de ser fruto de erro médico. Ficamos assim com o mutismo absoluto desse brasileiro raro que sempre poderá ser chamado de Mestre. Por Telê Santana tenho afeição especial. Tirou meus filhos da minha influência futebolística com suas sucessivas vitórias e lições, colocando-os num lugar digno, longe do que hoje ocorre com o Corinthians, nas mãos da máfia eslava. Não foi só por isso. Porque resolveu a falsa contradição entre futebol força e futebol arte, apesar de ter pagado caro por perder a Copa de 82, acusado de ter enfeitado demais com um time dos sonhos. Telê não dava a mínima para o estrelismo e exigia que cada jogador exercitasse os fundamentos do futebol: chutar direito, cruzar, cabecear, dominar a bola. Rogério Ceni, que hoje brilha no escandaloso ostracismo da seleção nacional, é a representação e o fruto desse aprendizado: o atleta completo, que não se conforma com seus limites e chega na área, venha de onde vier.

Há inúmeras críticas às suas estratégias, mas ninguém jamais poderá tirar-lhe o mérito de que foi um reinventor do futebol brasileiro. Depois que nulidades como Cláudio Coutinho e outros burocratas se renderam ao futebol burro, que faz parte do sistema que destruiu a nação, ele trouxe de volta a eficiência como fonte da alegria, revelando um punhado de craques inesquecíveis, que com ele conheceram a glória. Errou muitas vezes, como tudo o que é humano erra, mas fica sua lição permanente de correção, determinação, seriedade e sobriedade. Por coincidência, o tempo em que ficou mudo conviveu com o falastrionismo do futebol, dos treinadores histéricos que sempre se acham com razão, dos cartolas que deitam e rolam com seus arreganhos extrativistas, que jogaram a arte brasileira nas mãos estrangeiras, e que provocaram o êxodo sem fim dos craques que o Brasil gera com sua tradição e sua cultura.

Calou-se o Mestre enquanto afundamos nessa espiral de horrores, em que os perna-de- paus viraram titulares e nossas jóias foram se entregar ao papel pintado das potências. Se ele perdeu em 1982, foi com honradez e não como em 1998, quando na final paramos em campo num episódio que clama até hoje por explicações, diante daqueles franceses arrogantes, que levaram a Copa porque ficamos imobilizados, derrotados, comprados, enquanto eles faziam a festa em cima da nossa subsmissão.

CENA - Nunca esqueço uma das cenas mais emocionantes que vi na televisão. O Morumbi lotado levantava os braços e entoava o cântico dos cânticos: "Olê olê olê olê Telê Telê". Era a milionésima vez que o Mestre decidia um título. Ele então se levanta, de maneira não muito confortável pois não está acostumado a esse tipo de demonstração, anda um pouco para dentro do gramado e faz sua saudação, com uma só mão para cima acompanhando o ritmo da cantoria. Era a homenagem em vida ao homem que deu tantas alegrias aos seus torcedores e que destacou-se como um brasileiro maior, nesta galeria cada vez mais escassa, no país que perdeu sua soberania. Era o Brasil que o admirava, acima de camisas, hinos ou paixões. Era o tributo à honradez e à vida de Telê Santana, impregnada do espírito nacional que jamais poderá nos abandonar, sob pena de perdermos tudo o que conquistamos por séculos e gerações.

RETORNO - Diário da Fonte, o jornal pioneiro (fundado em 2002) embutido dentro da ferramenta blog, acaba de receber uma condecoração, que é este comentário de Luiz Claudio Cunha, um dos mais importantes jornalistas do país:
"Nei, primeiro, um abraço emocionado pelas palavras gentis embutidas no teu "Barulho de Correntes". Fiquei feliz.
Depois, um abraço ainda maior pela excelência do Diário da Fonte, que faz jus à tua qualidade e densidade como jornalista que honra/eleva/consola esta profissão e, apesar de tudo, me enche de orgulho.
forte abraço, Luiz Cláudio Cunha.
Luiz Cláudio Cunha | Homepage | 04.22.06 - 12:44 am |#"

O comentário de Luiz Claudio Cunha está postado na edição de 31 de março do DF e se refere ao texto "Barulho de correntes", publicado no dia anterior, dia 30, que reproduz trechos da sua carta ao novo diretor de redação da IstoÉ, revista da qual se afastou.

Nenhum comentário:

Postar um comentário