Páginas

14 de fevereiro de 2006

A ÉTICA MIGRANTE EM LOST





Volto a Lost, porque a série melhora a cada capítulo. A arquitetura do roteiro, somado a interpretações convincentes, fazem com que os furos se tornem irrelevantes, ou, antes, se justapõem à trama principal sem ameaçá-la. No capítulo de ontem, ou melhor, desta madrugada, o tema foi a percepção equivocada sobre ética. Na mosca: temos hoje uma avalanche politicamente correta apropriada pelos aproveitadores de sempre, que seduzem os inocentes úteis para vilanizar pessoas que aparentam afundar-se no lodo.

CHANTAGEM - É o caso do personagem vivido pelo ator Josh Holloway, escroque convicto e suspeito de ter escondido o remédio salvador de uma sobrevivente que sofre de asma. Para confessar seu segredo, foi socado pelo pretenso herói (Matthew Fox) e torturado por um especialista da Guarda Republicana. Mas só entrega a verdade em troca de um beijo de Evangeline Lilly, que até aquele momento espera uma proposta amorosa do médico líder, enquanto é assediada pelo vilão. Mas este está amarrado a uma árvore. O que custa um beijo?

BEIJO - É talvez o pai dos beijos do novo século. Fruto inicial de uma chantagem, as bocas se aproximam pelo acordo prévio e acabam se incendiando pelo toque. A língua entra em cena como espuma resistente, feita de um estranho veludo de verão, molhado como corpo entregue à praia. Os lábios se encaixam num laboratório submerso, mas o destino, escravo do tempo, corta a cena num duelo de suspiros. O que começou como aversão evolui para a dúvida, e o que era apenas medo alcança a promessa de um prazer sobrevivente. Isso foi só o começo. Depois daquele beijo, o bandido confessa que não tem remédio nenhum, e está contando a verdade. Agüentou o espancamento e a tortura sem reagir porque não devia satisfações a ninguém e porque queria chegar no seu objeto de desejo. Sua confissão deixa o torturador ainda mais furioso. Na briga corporal, o vilão leva a pior e é ferido mortalmente. É salvo pelo doutor. Toda essa seqüência é trabalhada pelo flash back que define o personagem em foco.

GOLPE - Josh participou de um golpe contra um casal, mas desistiu na ultima hora quando descobriu que um filho de 12 anos presenciava a cena. Exatamente a sua idade no dia em que alguém idêntico destruiu sua família. Foi por isso que escreveu uma carta de vingança contra esse assassino desaparecido. Seu blefe: apresentou a carta à mulher como se fosse o destinatário da ameaça de morte, e não o autor. A mulher descobre farsa e ele então confessa: sim, escreveu aquela carta de vingança, mas acabou cometendo o mesmo erro que pretendia punir. " Eu me transformei no monstro que quis eliminar", diz, mentindo que se comportou da mesma maneira do que o seu algoz. Seu trunfo: tinha desistido do roubo, ou seja, está limpo. O capítulo assim mostra a ética de quem era considerado vilão, e o crime dos pretensos heróis que se tornaram carrascos de um inocente. A ética migra e uma sombra desce sobre a mulher fisgada pelo beijo.

RETORNO - Recebo mensagens da minha editora favorita, Helô Machado, que será personagem da série JK; do grande compositor e intérprete brasileiro, patrimônio cultural do Pará, Alcyr Guimarães (chorem com Canção Morena), que correu mundo junto com Sivuca ; e do músico portoalegrense Rogerio Ratner, que vai me entrevistar sobre os anos 70.

Nenhum comentário:

Postar um comentário