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5 de janeiro de 2006
OS GROTÕES DA GRANA
Há várias maneiras de ficar rico com um grotão. Abra umas picadas e envie para Brasília um relatório do seu projeto. A grana chega e é distribuída entre os espertalhões. Distribua lotes para pessoas que querem terra. No papel, 12 hectares cada lote, mas na prática apenas quatro hectares para a família assentada. Os outros oito você reserva para um grande latifúndio que está se formando com dinheiro público lá onde a onça bebe água. É terra oficialmente comunitária, mas é de propriedade da bandidagem que circula o poder. Eles tem a poshtura de ishtadistas: a de coronéis do sertão. E ainda existe a velha grilagem da direita, que toma a terra à força e expulsa os posseiros, tema recorrente entre os escritores.
ESCRITORES - Mas existe outro tipo de grotão na modernidade brasileira. Duvido que o ilustre (os cargos públicos nobilitam) ex-deputado cassado e ex-membro forte do governo vá ganhar dinheiro escrevendo (!) para um jornal do Rio de Janeiro, como anunciou. Pode até publicar seus garranchos, já que tem dinheiro para pagar ghost-writer. Mas cheira a outra coisa. E se está na lona, como diz seu novo amigo mago, como pode anunciar que tem dinheiro suficiente para viver dois anos sem trabalhar? Se fez política e assumiu o governo, então esse dinheiro é público. Há ainda o famoso biógrafo, que tudo justifica com suas firmes posições ideológicas e suas graníticas certezas jornalísticas. Por que não? a célebre não-pergunta de Caetano Veloso, parece ser o norte da geração de 68, a que voltou do exílio pela anistia para apertar a mão dos tiranos e participar da festa dos recursos abundantes que brotam por toda a parte do tesouro nacional.
BUFUNFA - Ideologia não serve para nada. O que conta é a bufunfa. E isso há de sobra, como mostrou Mônica Bergamo ontem na Folha ao reportar o ágape entre Paulo Coelho, José Dirceu e Fernando Moraes. Tudo em Mônica Bergamo é denuncia. É escandalosa, se for verdade, a posição de Paulo Coelho que mandou derrubar a casa do vizinho para ter vista melhor dos Pirineus (ou Alpes, sei lá), sem perguntar o preço. Quem pergunta o preço não tem dinheiro para pagar, disse ele. Sinal evidente de pré-capitalismo, de aristocracia feudal, já que negociar é a alma do sistema tão admirado por Marx. Ou seja, negociar é coisa de pobre. Isso pega no coração da classe média brasileira, que é uma pseudo aristocracia, que se ilude querendo ser o que não é: uma elite, no sentido clássico do termo. O que existe é a tigrada, expressão de Mino Carta, que lamenta não termos verdadeira classe média, a que sustenta o estado de Direito em países civilizados. É tocante a solidariedade de Paulo Coelho em relação a Dirceu. As gargalhadas, as baforadas, as frases na coluna de Mônica ontem (tem até deboche sobre religião) nos leva ao espanto absoluto. O que celebram os marmanjos?
PRATO - Celebram o fato de terem escapado dos grilhões da miséria e do terror. Estão numa boa. Merecidamente, dirão. Duvido. Quem consegue transcender suas origens sociais de maneira legítima não cospe no prato que comeu, não dá recado para eleitores da classe média e formadores de opinião dizendo que estão preparando uma espécie de rumo à estação Finlândia, tema do livro de Edmundo Wilson sobre a volta de Lenin do exílio direto para o poder. No fundo não importa o que escrevem, mas o que fazem com essa arte. Fazer sucesso justifica tudo? Ter publicado best-sellers te dá o direito de baforar em cima da nação exausta, perplexa e insurgente?
JK - Faça sucesso e depois conte como você foi pobre e conseguiu tudo às custas do esforço próprio. Não existe essa ilusão. Nenhuma carreira de sucesso está vinculada apenas às qualidades pessoais. É preciso ver o entorno. JK, por exemplo. O Brasil, segundo a série, era uma josta cheia de comedores de escravas (sempre isso, os diretores e atores da terceira idade adoram tirar uma lasca de atrizes jovens em cena), mas o rapagote com seu esforço foi lá e conseguiu. Picas. Quero ver onde entra Getulio Vargas e seu Brasil soberano na ascensão do médico mineiro. Certamente como empecilho, como ditador ou sei lá o quê. Não haveria JK sem Getúlio. Enquanto isso, a nação tonta de espanto se distrai vendo como o Brasil atrasadão foi salvo pelo salvador de Diamantina. JK chegou no poder depois que Getulio morreu lutando para modernizar o Brasil. Jamais vamos esquecer fato tão cristalino.
RETORNO - A imagem é o quadro "Paisagem Brasileira", de Fulvio Pennacchi.
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