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26 de outubro de 2005

CULTURA: MANIPULAÇÃO E LUTA PELO PODER




Leio livro importantíssimo de Michael Denning, "A cultura na era dos três Mundos", lançado pela Francis, que faz balanço analítico de dois séculos de conceitos relacionados com esta palavra, que hoje ocupa o centro do debate político. A resenha fica para mais tarde, quando acabar o livro, mas a obra já me provocou uma série de abordagens sobre o caso brasileiro. Vamos pegar o exemplo do cartaz que mostra o senador Jorge Bornhausen vestido com farda nazista, onde está reproduzido, de maneira deturpada, sua declaração pretensamente racista (a frase está modificada para "este" raça, a denotar estrangeirismo no uso da língua portuguesa, o que não ocorreu de fato). Trata-se de burrice e sacanagem. Dá armas para a direita, pois é um cartaz mentiroso. Não porque Bornhausen seja ou não racista (não é esse o ponto), mas porque Bornhausen não se referiu nem a preto, nem a pobre, nem a operário, como está no cartaz, mas aos ladrões do PT flagrados com a mão na cumbuca (o que não livra a direita de ter cometido ou cometer o mesmo crime). Tudo indica que o cartaz foi confeccionado pelos ladrões flagrados com a mão na cumbuca. Distorce a declaração e faz propaganda enganosa. É crime. Além do mais, aprofunda o fosso da federação, colocando Santa Catarina como estado racista. Tem racista aqui como em todo lugar. Mas manipular os preconceitos para uso político é crime hediondo. Outra coisa: o cartaz representa o ódio de Lula a Bornhausen, que estaria ofendendo a sua família, Lulinha/Telemar à frente. No fundo é a velha briga patrimonialista. Coloca o debate político nos termos do Império.

IMPÉRIO - O que tem a ver isso com cultura? Tudo a ver. Aqui na periferia capitalista, não temos o privilégio dos doutores gringos de poder pensar à vontade sobre cultura e poder, já que não estamos, como eles, bem garantidos por nações consolidadas e imperiais, ricos pela pirataria que implantaram há séculos. O imaginário imperial, incorporado pelos pensadores dos países milionários, tenta ser politicamente correto com os povos excluídos e sem história. Eles acreditam, ainda, piamente, que não temos história, como queria Ranke, o inventor da historiografia moderna (século 19). O que cabe a nós é tomar o centro das reflexões e analisar o processo do nosso ponto de vista, encarando o mundo imperial como periférico. Não só como exercício de descolonização cultural, mas para fazer justiça ao povo soberano. O Brasil desenvolveu formas específicas de manipulação cultural a favor do poder. Qual o poder? O do dinheiro e do patrimônio grilado da nação. Qual a cultura? A que torna despossuída a população escravizada materialmente. Uma das formas de conseguir isso é esvaziar a sobriedade do estudo e da própria cultura. Basta transformar a escola em lugar lúdico, como acontece na novela Malhação, da Rede Globo, onde o que conta é a formatação do corpo em exercícios orientados pelos adultos, o namoro e o desfrute. A cultura é transformada num show, um espetáculo, fora, portanto, de suas principais armas,que é a denúncia e a expressão de espíritos livres. Transformar platéias em massas coletivas de mãos ao alto, que balançam ao som do baticum e da voz deturpada e sem letra, assim como não há mais melodia, é uma forma de dominação profunda que erradicou a criação cultural de alto nível a que chegamos, apesar de tudo. O esporte, monopolizado por uma rede no essencial, é o espetáculo dos corpos submissos, apesar das barrigas tanquinho. A arte dos craques subsiste em meio à cartolagem corrupta e ao comentarismo corporativo (por que não reproduzem os momentos dos jogos apitados pelo juiz ladrão em que o Arnaldo César Coelho garantia que o juiz estava certo e a regras são claras?).

NOVELAS - Esse histórico de exclusões atinge não só a TV, mas a mídia impressa e agora a Internet. Na TV, o período do Brasil soberano (1930-1964) foi erradicado das novelas (que começam na República Velha às seis da tarde e vão para os anos 70 e 80 às sete e chegam até hoje na novela das nove). Só como mini-série, quando há extensa manipulação, como prova Agosto, de Rubem Fonseca, Anos Dourados e acredito que agora, na mini-série sobre JK, que vai preparar a direita para voltar ao poder central, pois o jotakismo possui o charme conservador e mentiroso dos grandes feitos, quando não passou de um esbagaçar fulminante do que foi acumulado na Era Vargas. Na mídia impressa, a esperteza da exclusão coloca dentro do cercado alguns analistas outsiders, como Jânio de Freitas ou Gilberto Vasconcelos, enquanto se manipula a História a favor do friasismo e do juliomesquitismo. Na internet, milhões berram em silêncio, enquanto pontificam os espaços nobres do noticiário acoplados a grandes portais, o que torna a leitura quase compulsória. Voltaremos ao tema.

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