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14 de setembro de 2005

AUTOCRÍTICA NA PRÁTICA



Um dos fundamentos da esquerda que se preze é a autocrítica na prática. Deve ser estendido a toda a sociedade. Não basta fazer mea culpa batendo no peito, diante das câmaras. Todos pedem desculpas, mas isso não basta, porque tudo tende a ficar na mesma. A começar pelo governo. Desmontar as quadrilhas que desviam dinheiro do Tesouro Nacional não é apenas prender no varejo (não haverá prisões para tantos cúmplices), mas cortar o acesso à bufunfa no atacado. Isso serve para todos os níveis de governo.

ESTRATÉGIA - Reconhecer que errou, como faz o PT, não é voltar-se para as fontes do equívoco, achar que existe uma pureza petista nas origens. Diz uma mensagem que corre pela internet: "O PT errou, mas não tanto assim. O erro foi estratégico. Achou que podia cair na gandaia de governar com os ladrões em casa, desde que fossem possíveis alguns avanços. Quais os avanços que houve? Parou-se a privataria, reestruturou-se em boa medida o serviço público, voltou a haver política industrial e pesquisa tecnológica, criou-se um programa de paliação da pobreza que só pode ser ignorado por ignorantes (de todas as medidas ali aplicadas) ou mal intencionados". A admirada e competente intelectual Marilena Chauí, que revela-se um desastre na política, diz que descobriu a fonte do ódio ao PT: a de que o partido construiu a democracia. Se existe ódio (não de minha parte e de muita gente) é porque o PT não cumpriu as promessas de campanha, traiu o povo, manteve o arrocho. No fundo, ajudou a consolidar a ditadura civil, pois a ela entregou-se sem amarras. Tudo fruto da arrogância, da falta de autocrítica na prática.

VILANIZAÇÃO - Uma autocrítica que devem fazer os trabalhistas, na prática, é apostar em quadros próprios e eliminar o fisiologismo que possa existir ou medrar na atual fase em que o PDT, principalmente, e o PTB (que acha que é depositário da verdade por ter denunciado o esquema de corrupção) têm chances reais de assumir o poder nas próximas eleições. Ir atrás de quadros exógenos, como sempre fizeram, simplesmente mantém intactos os limites atuais do trabalhismo, que parece ter assumido a vasta campanha de desmoralização que surgiu nos meios acadêmicos (e se estendue para a política) sobre o populismo da Era Vargas. Sabemos agora quem são os verdadeiros populistas, os que ludibriam o povo para ter acesso ao butim. O PT deve fazer autocrítica na prática e aproximar-se de verdade do trabalhismo , e não como fez, ao usar o PDT para ganhar as eleições. Da direita (PSDB, PFL, PP et caterva) não se espera autocrítica nenhuma, já que não são de esquerda. Outro gesto importante é eliminar, na esquerda, a tendência, a tentação de vilanizar as atividades empresariais. Empresário não é o empreiteiro de obras públicas, que enriquece, a maior parte das vezes, à sombra do dinheiro da população (e torna-se credor dele, aumentando a dívida interna). Não é apenas o pequeno empresário, que inventa seu emprego por ter não ter outras opção devido à política econômica falsa de cortar gastos (sabemos que eles cortam na carne dos outros). Mas também o grande empresário bem sucedido, o que é obrigado a fazer piruetas diante do arrocho fiscal e tributário. Desburocratizar a formalização das empresas, liberá-las dos gastos e ações desnecessárias, é um gesto de autocrítica na prática que deveria se estender a todo o país, estrangulado pelos equívocos da ditadura civil.

TUNGA - Manifestações populares armadas com grana de governos ou com os privilégios sindicais enriquecidos pela lei arbitrária que tunga compulsoriamente o bolso do contribuinte também geram indiferença e ressentimento contra a livre expressão em praça pública. Eliminar práticas obsoletas como a de interferir no trânsito (principalmente nas grandes cidades) seria um avanço. Quem precisa se locomover para sobreviver odeia as bandeiras e os grupos organizados que se deitam na avenida ou nas estradas. Não basta, portanto, refugiar-se no discurso, pois este está contaminado e desmoralizado. Mas assumir na prática as mudanças necessárias.

SOBERANIA - Assunto chato? Blog é revolução, tudo cabe num espaço diário de opinião. Debater sem ódio nem espírito de porco, abrir mão de idéias e práticas cristalizadas, reconhecer no Outro as mesmas boas intenções que vemos em nós, eis alguns excessos do humanismo que deveria florescer na vida pública. A luta democrática não deve estar orientada para a garantia de privilégios, mas para algo que nos transcende: a soberania nacional. Nela reside o que temos de mais precioso.

RETORNO - Recebo, por especial obséquio do autor e da Editora Mediação, o livro Crônica: o vôo da palavra, de Walter Galvani. Pensar sobre o ofício de escrever diariamente, num gênero que pode ser considerado essencialmente brasileiro (um dos temas debatidos no livro), por parte de um veterano do jornalismo e da literatura, é um estímulo para quem assume esse encargo prazeroso e gratificante, e também para os leitores que se debruçam sobre o resultado. Foi na redação da Folha da Tarde, que tinha Galvani como diretor de redação, que conheci Valdir Zwestch. Diz Valdir sobre Galvani: " Será que alguém já parou pra pensar o que esse cara representou pra uma geração (a nossa!) de jornalistas, escritores, poetas, pensadores, que passou pela mão dele? Se eu fosse o Sindicato dos Jornalistas do Rio Grande do Sul mandava botar uma placa na porta de entrada de cada redação com uma frase mais ou menos assim: Bom dia, sr. diretor. Hoje e sempre: imite o Galvani!". Valdir divulga seus textos na coluna Arca do Velho no site criado e mantido pelo filho.

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