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19 de agosto de 2005

A VENDA DO PERDÃO



Os culpados pedem perdão, mas não perdem a pose. Ao se insurgir contra a venda do perdão (as indulgências), que arrecadava dinheiro para a Capela Sistina, Lutero fundou uma nova igreja. O protestantismo dos imperialistas costuma andar de mãos dadas com a falta de perdão. As bombas de Hiroshima e Nagasaki foram retaliação ao massacre promovido pelos japoneses contra a marinha americana. Em Os Imperdoáveis (Unforgiven) Clint Eastwood deixa bem claro: não vai pedir perdão para seus crimes e virá matar todos os que tentarem prejudicar suas clientes. Virá sempre, até o final dos tempos, pois para ele e sua cultura nenhuma água ou sal lava um pecado. Por isso a polícia britânica está contra a parede: errou, está comprovado que mentiu, assassinou a sangue frio, pelas costas, covardemente, um inocente, e o que fazer com isso, já que não há perdão fora da igreja católica? Eles poderão tentar comprar o perdão, mas as seqüelas políticas desse gesto poderá custar até o mandato de Tony Blair, que é uma estátua de gelo com consistência de cera. Quanto custa o perdão ao governo que escancarou sua corrupção? Não custa nada, só nos custa a vida, como diria Gilberto Gil (que, como nos faroestes antigos, está quieto demais).

COERÊNCIA - O pedido de perdão não pode ser a reação imediata ao flagrante. Não pode ser induzido, é uma postura assumida conscientemente e implica arrependimento e uma promessa: o de não repetir os erros. Não se pode pedir perdão pelo erro dos outros, como fez Lula (já que foi traído, é sinal que é inocente, a culpa está fora dele). Não se pode pedir perdão e imediatamente liberar um bilhão de reais para os currais eleitorais. Não se pode pedir perdão, como fizeram Collor e a senhora Miriam, a ex que implodiu a candidatura petista na véspera das eleições de 1989, sem incluir o responsável pela idéia, o marqueteiro que bolou a tramóia. Não se pode pedir perdão sem devolver o dinheiro roubado. Não se pode pedir perdão e continuar gargalhando, voltar a freqüentar a noite, simplesmente sumir do mapa e arranjar gorda aposentadoria. A quantidade de perdão que está no ar fede de longe. O pedido de perdão do PT não será levado em consideração se o partido não fizer um balanço dos estragos provocados pela própria arrogância. Quis colocar todos os ovos da oposição na mesma cesta (Lula) e quando o governo foi para os ares, toda a esquerda foi junto. Não há Psol que dê jeito (aliás, a voz estridente da filha do Tarso Genro e sua argumentação tosca midiática está enchendo). É preciso reconhecer em outros vetores políticos a mesma coerência e espírito de luta, e não apenas nas campanhas eleitorais. A postura de rei da cocada preta com cara de nojo ao lado de aliados, como fazia Lula nos palanques, mostra o que é: excluir quem veio de longe e tem algo a dizer e a fazer. Peçam perdão ao trabalhismo, que vocês enterraram, dando força para a ditadura que sempre temeu Brizola.

MODERNIDADE - O que está em cheque no país mais do que atrasado onde vivemos é o conceito de modernidade. Foi para o ralo quando o governo Collor caiu e quando FHC entregou o país para se eleger e depois reeleger. Foi de novo para o ralo com o ex-lider do dito sindicalismo moderno que representa uma facção arrogante que gargalhava do trabalhismo. Foi para o ralo quando todo o discurso da modernidade (ou pós, tantufas) serviu para sucatear as leis trabalhistas (terceirizar é contratar sem carteira assinada, enxugar custos é provocar desemprego e explorar a mais valia e assim por diante). O que impera agora é o obscurantismo. Fiz curso para padrinho um mês atrás para o batismo de uma sobrinha. É obrigatório, senão não batiza. Três senhoras berravam como na Idade Média. Uma delas jurou que um pedacinho do coração de Cristo sangrava numa igreja italiana. Os olhos esbugalhados dela e a voz esganiçada me explodiram paciência. Uma outra dizia, com a voz mansa do pastoreio: "se plantares a semente de laranjeira, nascerá a laranjeira". Nascerá abobrinha, grunhia eu, enquanto um vento encanado gelava o templo ainda inacabado. Onde foi que deixei perdida minha face?, perguntou um dia Cecília Meirelles, a poeta que nos falta hoje e nos assiste sempre.

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