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24 de junho de 2005
A DITADURA ETERNA
Não há democracia no Brasil. Há, desde 1964, ditadura. O estágio atual da ditadura caracteriza-se pelo arrocho salarial, a entrega da soberania (inclusive do território conquistado a ferro, fogo e diplomacia por cinco séculos), a manipulação da opinião pública, o voto de cabresto (conhecido por voto útil), o rodízio de candidatos jamais identificados verdadeiramente com as necessidades populares (a caixa preta que encaminha criaturas nefastas para a representação política), a corrupção, a miséria e a violência. A ditadura deu as cartas em 1985, com o projeto bem sucedido dos golpistas de 64, de transformar o regime que instauraram pela força (ao derrubarem um presidente eleito pelo povo e confirmado por plebiscito) em instituição por meio de uma falsa democracia. Essa falsa democracia já existia antes de 1985, com o Congresso e os governadores submissos (mas eleitos pelo voto direto).
DESPREZO - Já existia a experiência de transformar o voto numa representação sem força para mudar o essencial, que é a centralização das decisões mais importantes e o total desprezo à nação. Hoje, assistimos a mais uma vitória da ditadura: a esquerda insuflada pelos golpistas, que assumiu o poder porque baixou as calças já na campanha presidencial (como expôs brilhantemente Mario Maestri no La Insígnia), e que finge que governa manietada pela pirataria internacional e os ditames dos imperadores do mundo, enreda-se no esquema de corrupção existente, expondo a disputa pelo butim, o Tesouro Nacional, entre quadrilhas de todos os vernizes. A direita assoma com sua cara limpa de um governador anódino, o sr. Alckmin, que tem a cara de pau de aparecer apontando o dedo espichando o braço em obras, como se fosse o grande fazedor que todos esperam. Esse malufismo com botox encobre as verdadeiras intenções dos entregadores do país e assume o que o deputado do PT gaúcho Adão Villaverde chamou de lacerdismo ilustrado . Estamos fritos, com essa esquerda que alimenta os abutres como Jair Bolsonoro, que quer ver sangue e acha que o regime militar matou pouco . Estamos fritos, com a possível derrubada de Lula para preparar a volta dos tucanos ao poder. Estamos fritos, com o governo tentando mostrar as mãos limpas quando todos enxergam o quanto se aprofundou na lama. Estamos fritos, com a imprensa fazendo papel de moleque de recados dos ditadores de todos os quadrantes. Estamos fritos, com essa ditadura eterna, que não constrói uma escola, que não reativa os trens, que não permite a distribuição de renda, que nos mata de todo o jeito. Estamos fritos, mas ainda estamos vivos.
CAOS - O arrocho primeiro nos proletarizou e hoje nos transformou em mendigos. Estamos na rua da amargura, agarrados como carrapatos aos nichos de sobrevivência que restaram, tendo que aturar essa perda de tempo sem fim que é o tráfego intenso de malas de dinheiro. O caos se instala por todo o canto. Meus vizinhos em São Paulo vão à polícia para peitar os marginais que transformaram uma aprazível rua ao lado da USP no inferno sobre a terra, com barulho de máquinas o dia inteiro e libação ao vivo até altas horas da madrugada, sem falar nas tardes do fim de semana assoladas pelo sambão jóia. Na televisão, os lugares que ainda tem empregos, segundo o noticiário, estão nas multinacionais e nos centros onde se planta muita soja, ou seja, onde o dinheiro subsidiado deita e rola fazendo a alegria dos novos e velhos ricos, atraindo alguns milhares de beneficiados, enquanto o resto da população disputa cada palmo do espaço disponível para arrancar uma merreca que permita a sobrevivência. Estamos fritos, em plena ditadura. A falta de educação, saúde e cultura joga o povo no braços dos oportunistas metidos a espirituais, que nada mais são do que o braço furioso dessa direita que chega com tudo, louca para matar mais.
RETORNO - 1. Não queria falar nada disso, mas as circunstâncias me obrigam. 2. Lembrei, claro, do discurso imortal de Caetano Veloso em 1968: "Então é esta a juventude que quer tomar o poder? Se formos em política o que somos em estética, estamos fritos" . A juventude que queria tomar o poder, tomou, como prova a presença de José Dirceu e seus camaradas no poder. Vimos no que deu. 2. Como notou Miguel Duclós, a música de Caetano, Soy loco por ti América, referia-se à América Latina. Como cortina musical da atual (bleargh) novela da Globo, refere-se ao sonho de fazer a América imperial lavando pratos e rebolando na pista. Um sinal claro de que uma parte da criação cultural que nos deslumbrou em décadas passadas entrou na roda. Chico Buarque: "e eis que chega a roda viva e leva o destino para lá".
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