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11 de maio de 2005
O VALOR DO AMBIENTE DOMÉSTICO
Kirchner retira-se da reunião de cúpula com os árabes em Brasília depois de acertar com Lula uma parceria entre o parque industrial argentino e a indústria multinacional instalada no Brasil. Não quis participar dos salamaleques à nossa pretensa hegemonia. Precisa cuidar da própria casa. Somos uma pedra no sapato da América Latina. O correspondente da Globo em Buenos Aires José Burnier justifica o pretenso papel de liderança que de fato exerceríamos na região lembrando que somos maiores em território e economia, como se o jornalista fosse mais realista do que o rei e pudesse contrariar o princípio básico de isonomia entre as nações. O poder (seja no governo ou na mídia) corrompe o pensamento de pessoas desvinculadas de suas bases, a população (para não usarmos a palavra povo, que no Brasil quer dizer pobre, e não gente, como em inglês people). Ajudei a revelar para o mundo político o atual assessor para assuntos internacionais, o Marco Aurélio Garcia. Era um professor da USP que ganhou na minha seção de Livros da revista Senhor, nos anos 80, vasta exposição, graças à indicação de Luiz Gonzaga Belluzzo e Mino Carta. Vi hoje Garcia na televisão. Sua boca molenga dizia que a imprensa se preocupava com bobagens ao exacerbar a saída de Kirchner antes do final da cúpula. Quem te viu e quem te vê. Na hora de assumir o poder, é bom lembrar de onde viemos e principalmente para onde vamos. Antes de querer abraçar o mundo, precisamos aprender a dar valor ao ambiente doméstico, que nos gera e sustenta.
RESPEITO - Não existe nada mais ofensivo do que ser uma dona de casa. As pessoas debocham sem parar. O motivo é um só: não há respeito nenhum pela diferença, apesar das evidências em contrário. Os seres humanos, sob essa ótica, se reduzem a um gênero só. E não adianta argumentar sobre o grande destaque da mídia à mulher. Isso só reforça o preconceito. A mulher casada e dona de casa comete um crime grave: não está disponível para o usufruto do mercado brutalizado, portanto não serve. É preciso exercer alguma função masculina (como carregador de toras de madeira, por exemplo, ou mecânico de carreta) para acharem uma gracinha. Ser mãe, cuidar dos filhos, gerenciar o orçamento doméstico, assumir os planos coletivos da família, tudo isso contraria a lei do egoísmo a qualquer preço. É coisa de outro mundo. Colocar um avental é um abuso de feminilidade, a não ser que seja alguns desses gourmets de barba, que adoram cozinhar para macho. No fundo, as mulheres mergulharam, na mídia, no papel que lhes cabia antes da revolução: o de serem objeto de consumo da máquina do mundo. As top models e a galeria de fêmeas no cio destacadas pelas novelas são duas provas bem visíveis. A escritora por trás das cenas reitera o papel social do gênero que traiu.
VALOR - Você pode ser tudo, principalmente bandida, mas não invente de cuidar de uma casa. Será difamada, perseguida, forçada a abandonar aquela função ridícula para entregar-se ao mais moderno dos mundos, à solidão nefasta do universo single, império de uma verdade sem resistência. Ou então vai aparecer como uma criatura babaca, destas que merecem atenção pela sua falta de importância, ou lembrada quando é dia das Mães, quando é insumo para o consumo desenfreado. O mandonismo atual refere-se a alguns protótipos bem explícitos: trabalhe em algo com remuneração direta, não invente de participar de um orçamento que não lhe pertence, nem por contrato conjugal. Se você estiver numa festa, jamais admita que é uma dona de casa, a não ser que resolva fazer algumas brincadeiras indiretas contra alguém que se vê nessa situação e não consegue se defender da pressão ao redor. Atire pipocas: elas estão lá, cuidando dos filhos, preocupando-se com o marido, deixando de ser o alto coturno da masculinidade de saias, quando podem foder com meio mundo para provar que somos todos iguais. Claro que somos todos iguais, só que diferentes. Vai parir pra ver o que é bom pra tosse. Já viu um parto? Já, pelo menos um, o que te gerou, seu desnaturado. O bicho vem rasgando tudo e provocando a maior dor que pode suportar um ser humano, segundo testemunhos. Não há admiração real para um evento desses, a não ser o refresco da licença maternidade (que resolve só no início da criação dos filhos).
JANE - A pior injustiça disso tudo é que as donas de casa trabalham, em todos os lugares (especialmente no ambiente doméstico, graças aos recursos da tecnologia digital) . Exigem creches, tentam manter uma carreira, amamentam entre uma reunião e outra, trocam fraldas antes de ir à luta. Sobram exemplos de pessoas que se aprofundaram na amargura de ter que aturar, durante décadas, a mesma abordagem: mas você trabalha? A pergunta no fundo diz: você trabalha em algum ambiente profissional masculino? Você é mecânica de carreta, carrega tora de madeira, demite incompetentes, derruba colega de profissão, participa da corrupção, viaja às custas do dinheiro público, vira capa de revista e acaba como a Jane Fonda, amargurada por ter passado a vida se enganando? Então você vale.
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