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3 de maio de 2005
O PRÉ-CAPITALISMO NO PAÍS DE HAGAR
Hagar, o Horrível, criação de Dick Browne, é um saqueador profissional, mas para viver placidamente na sua casinha com Helga precisa pagar imposto, compromisso que ele cumpre sempre sob a ameaça dos carrascos do rei. Uma parte do butim que ele expropria pela violência fica para o governo. Talvez seja por isso que Helga não tem empregada e vive se queixando da vida. Não sobra nada para a família de Hagar, o Horrível, a não ser o consolo da bebida, da comida e da preguiça. É o tipo de sistema econômico que impera no Brasil. Para sobreviver, os cidadãos se entregam a alguma atividade predatória, seja contra os outros, seja contra si mesmo. No país de Hagar, existe frustração profissional em todos os lugares, do bar ao consultório médico. É assim também no Brasil, terra pré-capitalista que tem um governo dedicado a expropriar a sociedade dos seus ganhos de sobrevivência. Há também o cinismo no país de Hagar. É o caso do nosso governo, em que o presidente vai até a Fiesp para chamar empresário de chorão e para defender a chinesada predatória, os caras que inventaram o guarda-chuva descartável, ou seja, que obriga o consumidor a pagar mensalmente a taxa de guarda-chuva, pois é preciso recomprar o produto toda a vez que cai um pé d'água.
RACHA - Acompanhei o racha dentro da Fiesp de 1993 a 2003. A divisão interna que existe hoje é fruto das pressões do sistema pré-capitalista. O arrocho tributário, a concorrência desleal da abertura Collor (que abriu as pernas do país enquanto as pernas de outras nações fecharam ainda mais) e o sucateamento sucessivo das moedas empurraram a liderança empresarial contra a parede. Ela ainda existe como organização porque na era Vargas foi feito esse acordo de a folha de pagamento subsidiar compulsoriamente sindicatos e federações. Se eu subsidio a indústria, disse Getulio Vargas (o inventor do Brasil moderno, segundo frase lapidar de Samuel Wainer), então eu preciso subsidiar o trabalhador. O que fez a ditadura anti-Vargas? Criou a ilusão do Brasil Grande e inflou artificialmente o parque industrial para em seguido abandoná-lo. Estive uma vez na Vila Leopoldina, na fábrica de vagões do Luis Eulálio Bueno Vidigal. Enormes galpões vazios. Aquela indústria chegou a produzir vagões ultra sofisticados para a Alemanha, que tinham inclusive um sistema de limpeza que se acoplava à porta e funcionava como um gigantesco aspirador de pó. Foi tudo por água abaixo. Geisel falou: aumentem a fábrica que o governo garante. Não garantiu, e o industrial ficou com o pincel na mão. Segundo recente matéria da Folha, o parque industrial brasileiro hoje corre célere para ser apenas uma linha de montagem de produtos estrangeiros, que chegam aqui em peças. Ainda não fizeram a matéria sobre a quantidade gigantesca de empresas mortas. No caminho que percorro até o trabalho, 35 quilômetros diários, vejo inúmeras portas todas pintadas com nomes de pequenas empresas que não funcionam mais. O Brasil é pré-capitalista. Não existe a política de circulação do dinheiro. Nossa moeda foi feita para ficar no banco, rendendo juros (para os banqueiros).
CULPA - A Fiesp e as outras organizações patronais não são inocentes. Usufruíram todas as benesses dos governos fajutos, mas cavaram sua própria armadilha. Os governos estavam mal intencionados, dedicavam-se a entregar o país, pois esse é o projeto: sucatear a soberania arduamente conquistada na era Vargas. O empresariado adquiriu horror ao trabalhismo porque precisou dar férias, décimo-terceiro salário e indenizar os demitidos. Onde já se viu isso num país de escravos? E aumentou sua ojeriza quando Brizola encampou uma multinacional das telecomunicações no RS (a ITT) pagando o valor simbólico de um cruzeiro. Esse asco cresceu quando Brizola peitou a ditadura e não permitiu que dessem o golpe em 1961. O patronato envolveu-se fundamente no golpe de 64 e hoje colhe os frutos do seu erro. No lugar de apostar na harmonia social pagando os direitos trabalhistas, decidiu destruir a CLT com uma campanha insidiosa contra a carteira assinada. Entrevistei mais de 300 empresários em São Paulo. Todos falaram mal da carteira assinada. A maioria já fechou as portas. Divida o bolo para que todos cresçam, senão enfrente a chinesada, que produz com mão-de-obra escrava e enche ao mercado de porcarias baratas contrabandeadas. Perguntam se o sistema chinês é de mercado ou não. É ditadura e escravidão. Simples assim.
DEMOLIÇÃO - O empresariado fica falando da carga tributária (assunto que enfoquei todos os dias nos dez anos que estive lá), mas devia aprender a fazer política. Desvincular-se da direita e aceitar o fato de o trabalhador ter direito ao emprego de verdade e não ao subemprego, ao salário de verdade e não à merreca, à estabilidade na empresa e não ao rodízio assassino aconselhado pelas consultorias caras e ineficientes (o tit-ti-ti da competitividade, como dizia o Fortuna). Os industriais tinham medo de Lula e apoiaram Collor, que expropriou a poupança e a conta corrente por algum tempo (em alguns casos, para sempre). E, de quebra, iniciou a demolição do nosso parque industrial. Agora se abraçaram a Lula (que tem um dos ministros saído dos quadros da Fiesp) e acabaram ficando nos braços do arrocho. A elite empresarial terá sua fonte de renda destruída: é só acabar com o sistema cinco S, do desconto compulsório, dinheiro da Previdência que vai para as federações, que pronto, está feito o serviço. Vai todo mundo sentir saudade de Getúlio Vargas. Tarde piaste, como diria o gaúcho.
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