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9 de fevereiro de 2005

QUAL SEU BICHO NO HORÓSCOPO CHINÊS?


Nenhum, você não é chinês. Quem ganhou o carnaval de São Paulo? Ninguém, não há carnaval em São Paulo. Morei 30 anos lá e nunca vi carnaval. O que há é dinheiro público aplicado em gangs rivais, que colocam na rua um arremedo de escola de samba ao som de uma bateria com cadência quase militar. As gangs disputam o butim a socos, berros e ameaças. Possuem a linguagem e a estampa dos bandidos. Por que a Velha Guarda da Portela foi impedida de desfilar? Porque o tempo disponível foi gasto com as bucetas de ouro, que representam a deformação (o silicone) de uma festa manipulada pelo patrocínio falsamente privado. Ou seja, quem paga a exclusão é o dinheiro dos impostos disfarçado em dinheiro vindo das empresas (via isenção privilegiada sob a capa do que chamam de cultura). Não há dinheiro privado no Brasil, terra da derrama. Todo dinheiro vem do povo e em seu nome é desviado.

ENREDO - Qual o melhor enredo? Não há enredo, há interesses. Empresas de combustível e energia elétrica patrocinaram a Mangueira, que versou na passarela sobre o que essas empresas vendem. Quando o carnaval de Salvador acaba? Quando a mídia e as grandes marcas de cerveja quiserem. Por que o paranaense que tentou entrar com grossa pesagem de cocaína em pranchas de surf na Indonésia é chamado de surfista e não de traficante pela mídia? Porque o rapaz pertence ao chamado grupo da tigrada, aqui intocável. É justo que o governo brasileiro implore perdão para o governo indonésio? Pelo bem da família, é. Pela soberania da nação de rabo levantado para o mundo, não. Vi uma vez na TV dois megatraficantes italianos atrás das grades, às gargalhadas, porque sabiam que iam sair pela porta da frente. Por que os iraquianos em luta contra a invasão americana são chamados de rebeldes e não de iraquianos? Talvez porque o paradigma são os romances de Emilio Salgari, do século 19, que contam as aventuras de navegantes europeus no Oriente. Os nativos em armas são chamados (na tradução para o português) de insurrectos. As idéias são implantadas pelos escritores e pensadores orgânicos (para usar o conceito de Gramsci, tão em voga na pseudo intelectualidade da imprensa) e ficam para sempre, pelo menos no Brasil. São rebeldes porque nossa televisão é mais realista que o rei. Venceu as eleições americanas com Bush e agora exerce o poder planetário (não tem para ninguém no mundo todo).

COOL - Para onde vai o dinheiro da derrama? Para as contas pessoais. Um prefeito colocou na praça todo o maquinário sucateado da prefeitura. Uma obra simples leva 15 anos para ficar pronta. Todas as estradas estão desmoronando. Um pé dágua derruba pontes. A engenharia brasileira está em baixa, talvez não se formem mais engenheiros no país que acabou com a educação. Por que o país oficial (e em conseqüência, parte da população) quer dar tanto para os gringos? Porque odeia a si mesmo e sente vergonha de ser brasileiro. No Diário Catarinense, a foto de um turista idoso americano, de óculos e bengala, sendo esfregado de corpo inteiro por duas mulatas praticamente peladas, fantasiadas para o carnaval, diz tudo sobre o Brasil. Por que ninguém se insurge contra isso? Porque pega mal, reclamar é coisa de pobre. Já que você pertence à aristocracia virtual da chamada tigrada, você está sempre de óculos escuros olhando para frente, dando um sorrisinho de lado tipo Elvis Presley, esticando o pescoço em direção à estrada e os braços bem espichados ao volante, enquanto é observado por gente bonita. O importante é fazer iuhúu a cada segundo, levantar os braços freneticamente e participar das coreografias coletivas que representam a submissão das massas ao massacre real de vidas proporcionado pelos podres poderes. Por que escrevo essas coisas? Certamente porque sou um retardado mental, um ressentido, e em vez de me alegrar pelo fato de sermos o rabo do mundo, fico sonhando com algo impossível, a volta do Brasil soberano.

VIRTUDE - Como ressuscitar o Brasil soberano? Pelo exercício diário da virtude. Pois somos uma nação de escravos não porque a escravidão herdada da Colônia nos corrompeu, mas porque abrimos mão da virtude. Não a virtude do Falso Bem, da repressão milenar, mas a virtude como fruto da coragem. E desistimos da forma mais eficiente possível: negando em nós a grandeza que deveria ser nossa vocação. Escolhemos o caminho oposto: deixamos de lado a responsabilidade de dirigir o país para colocá-la nas mãos da tirania. Tivemos várias chances de reverter essa situação, mas nos recolhemos na exaustão da nossa desesperança e deixamos que a liberdade fosse assumida em sua casca pelos próprios opressores, que se travestiram com o manto da salvação. Tudo fizemos para que esse destino se cumprisse. Não reagimos quando deveríamos lutar (1964), deixamos para lá quando o preposto da ditadura assumiu sem nenhum amparo legal (Sarney), escolhemos o filho dileto do estamento burocrático e político (Collor), depois invocamos a falsa sabedoria oportunista (FHC) e finalmente depositamos toda nossa fé numa flor cevada na estufa da prepotência (Lula), acreditando que ele sozinho iria nos redimir, enquanto voltávamos para a casa cheios de bandeiras e palavras de ordem.

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