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6 de fevereiro de 2005

AMANHECER DE CARNAVAL




Queria descrever o fim dos bailes do Clube Caixeral, em Uruguaiana, em que íamos todos os foliões sobreviventes para a rua atrás da banda e depois ficávamos em volta da estátua do Barão do Rio Branco, que num pedestal de mármore vela pela paz na diferença naquela fronteira. A alegria de ver a barra do dia, enquanto nossa roupa imunda de suor pulava por si só, já que nosso corpo exausto não obedecia mais nada nem a ninguém. Toda a bebida se evaporava com aquele pular incessante. Mas há tempos estou exilado do carnaval. Urariano Mota fala sobre esse sentimento na crônica publicada no site La Insignia e que transcrevo abaixo. Ao mesmo tempo, sou convocado por José Renato Faria a escrever sobre Hitchcok. Existe medo das gaivotas em meu romance, Zé. Os pássaros estão chegando, disse eu num poema. Os pássaros estão chegando para explodir o veio escondido da terra.

Carnaval indiscreto

Urariano Mota

Sentado aqui, enquanto os blocos passam na rua, enquanto os filhos saem para a alegria, que, por supuesto, não encontram em casa. O som dos metais, o chamamento à desordem é uma ordem. As fantasias e os mascarados passam como os navios e os trens passam, como o gozo proibido e negado passa. A música do frevo estoura em todo o ar e paisagem e vista como uma perseguição. Sentado aqui, assim sentado, sinto-me como o personagem de Hitchcock, o fotógrafo L. B. Jeffries de Rear Window, título que se transformou em Janela Indiscreta em português.
A vida é irônica, não sei se já perceberam. No fim de 2004, eu disse à mulher e aos filhos, como todos os anos: "O próximo carnaval eu não brinco. Chega! Quero distância desse barulho", e a trincar os dentes, acrescentei, como todos os anos: "eu não suporto mais tamanha agitação. Chega!". Deus me ouviu. À sua maneira me ouviu: aqui estou, longe da folia, conforme o inicial desejo, mas sob estrita recomendação médica, sob incapacidade absoluta de pular, de saltar, tão frágil quanto o homem de vidro, em que se transformou O licenciado Vidraça. Jesús Gómez, esse impenitente otimista, já me havia advertido, "cuidado com o que desejas, amigo - o desejo é uma força, tão grande ou maior que La Insígnia". Mas o que ele não disse é que o desejo dos desastrados se realiza sempre numa tradução, porque vem conforme a natureza dos desastrados, desastradamente. "Este ano eu não brinco", disse, e os deuses me ouviram.
Não sei se os santos são muito sábios, se os demônios são absolutamente infernais, se a astúcia do real é o outro nome do paradoxo. Ouço agora de uma canção na rua, "neste carnaval, quá-quá-quá-quá, meu prazer é gargalhar". Ouço e o paradoxo é: agora que não posso sair, brincar, pular, beber, beber até cair, agora que tenho a paz do recolhimento, agora que ganho o privilégio de ser evitado pelos alegres foliões, justamente agora sinto uma falta extraordinária do carnaval. Neste momento em que posso ficar em casa a ler e a ouvir música suave, ah, como desejo "Olinda, quero cantar", como me acende o desejo de estar na multidão, com os metais a gritar o mais alto frevo, ah, como desejaria receber cotoveladas e empurrões à altura do rim, do ventre, do fígado! Ah, como e quanto desejaria mergulhar de cabeça no álcool, na cachaça, no sol quente, no azul luminoso, mergulhar até virar éter, lança-perfume, porque forte é a consciência do quanto é breve e estúpida a nossa existência.
Chega de lamentos. Brinquem, pequem, bebam por mim, por todos nós, amigos. No próximo carnaval nos encontraremos. E para que os deuses não traduzam errado esse desejo, acrescento: nós nos encontraremos em Olinda e no Recife, vivos e saudáveis. Jesús virá da Espanha, Nei, de Santa Catarina, Michael Kegler da Alemanha, Fabio Germinario da Itália, a turma da infância, do Colégio Alfredo Freyre, a turma do sentimento de 1970, do nosso coração, e todos ficaremos bêbados, saudável, irremediável e orgulhosamente bêbados. Quá, quá, quá, quá, até quarta-feira de cinzas. Sem ironia, seus deuses filhos de uma puta.

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