Sinistrus Joe, o ermitão que vive na ponta de uma praia isolada, ao lado de um grande menir, me concedeu nova entrevista exclusiva e falou sobre o hábito que existe hoje de as pessoas imporem seus auto-falantes para o ouvido alheio. O que é isso? perguntei, assustado com a disseminação de uma doença social, pois o que se coloca no mais alto volume, além de ser uma estupidez, um atentando contra os outros, é o ruído insuportável de quem nada sabe sobre harmonia, melodia, arranjos, essas coisas mortas. O berreiro infernal e a bateção de lata toma conta de todo o país e Sinistrus Joe pensa um pouco antes de falar. Coça o cabelo grisalho comprido, enruga ainda mais o rosto já enrugado e solta um guincho que me assusta. O susto que deu com sua imitação de gaivota era sua resposta: É o bote animal dos predadores, diz esse exemplar perdido dos sonhos dos anos 70. Eles berram no teu ouvido, te ensurdecem para poder te matar sem resistência. O que devemos fazer? torno a perguntar.
GOLPE - Tem gente que chama a polícia, mas a praga está muito hegemônica, continuei falando. Todo supermercadinho resolve colocar um som altíssimo para te anunciar, domingo às sete da manhã por exemplo, as suas grandes atrações e descontos. Vejo pessoas puxando uma caixa de som como se fosse mala de aeroporto, com rodinhas, e de lá sai o barulhão que provoca surdez. Está tudo dominado, e gostaria de saber como sair dessa. Sinistrus foi rápido na resposta: Proclame-se presidente da república e reprima violentamente toda e qualquer manifestação que ultrapasse um nível bem baixo de decibéis, me diz. Reagi imediatamente: Golpe de estado? Não é o meu forte. Não tem saída, diz Sinistrus. Se o banana do presidente da República recebe em palácio essas duas bestas ambulantes que são o Zezé di Camargo e o Luciano, ou faz salamaleques para o Chitazó e Chororinho, se tem gente ganhando dinheiro pesado com o som horrível de shows indecentes e ilegais, então só um bom golpe de estado, diz Sinistrus, na maior calma. Fico olhando para o cara. Me parecia um sujeito decente, apesar da aparência. Achei que era democrata, mas tinha me enganado: Sinistrus, dar um golpe de estado só para evitar a violência do volume alto, só porque não tem ninguém que possa ficar numa praia ou num camping em paz sem ser atormentado por um desses carros envenenados com mil auto-falantes em série reproduzindo baticuns sem parar e berreiro pseudo sertanejo? Eles querem te mataaar, responde Sinistrus, espichando as sílabas e fazendo voz gutural. Te matar, entende? Estão te tonteando, te tirando a paz porque querem te fazer, te cortar o bucho, te estaquear no sol, e se pedires água eles te darão salmoura, entende? Só bala com essa canalha!
CANHÃO - Pensei que eras um democrata, disse eu, meio ressabiado. Ele olhou para o horizonte do mar. O problema, seu poeta, me disse com uma ponta de cinismo, é que eles usaram a palavra democracia para impor a ditadura. Existe liberdade? Então tome vagabunda rebolando a perereca em direção à garrafinha em horário infantil. Tem democracia? Então tome som bem alto de madrugada para acabar contigo. Porque rebolar o bucetão fazendo violentos movimentos pélvicos em direção a um grande pau imaginário e sacudir os glúteos e o rabo sem parar em programa para criança é um crime hediondo que merece fuzilamento. Hoje, não provoca nenhuma reação. Ninguém tem coragem de reclamar. Se alguém se dispuser a ir até o vizinho falar que o som está insuportável e não deixa ninguém conversar, dormir, existir, o animal vai rir da tua cara. Então a saída é uma só: começar a dar tiro nesses filhos da puta. É a guerra, meu amigo. Eles não vão parar senão a tiro. Eu estaria disposto a ganhar um rifle de Natal e sair atirando nesses pulhas. Aviso já que aquele baleião da TV Band, que não dá folga um segundo e toma conta de todos os espaços com sua graxa sinistra, vai ser o primeiro. Aquele paquerador de putinhas do subúrbio, aquele descontrole desumano, aquela bisca, aquele idiota que faz cara séria ao perguntar ao animalão Alexandre Frota se realmente comeu determinada atriz. Esses filhos da puta precisam levar um canhão no meio dos cornos, é o que estou te falando.
BIROSCA - Muita violência, disse eu, reagindo à explosão de fúria de Sinistrus Joe. Nem sabia que ele via televisão. Via. Fugia às vezes para uma birosca à beira mar, onde aturava o som alto para olhar um pouco de TV, só para matar o tempo. Mas voltava correndo para sua cabana. Lá ficava remoendo idéias da revolução. Foi sempre assim o velho Sinistrus. Ele nunca desistiu de uma boa guerrinha.
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