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25 de setembro de 2004

O LIVRE PENSAR NA DITADURA

O pensamento granítico de direita está hegemônico na mídia, principalmente na Internet. Há manifestações gerais sobre a necessidade de eliminar moradores de rua (vi isso em comentários de blog), de achar que todo muçulmano é terrorista potencial (como confessou Gerald Thomas) e que roubar faz parte da política e não tem importância, desde que se faça alguma coisa (ouvi isso ao vivo esses dias). Como a direita é um camaleão eficaz, a moda agora é desmoralizar o pensamento progressista confundindo-o com os chamados politicamente corretos (estes, são apenas mais um aspecto, bem disfarçado, de direita). O mais impressionante é achar que não existe mais direita ou esquerda. Esquerda não sei se existe, mas direita é o que mais temos, facilitada pela ditadura em que vivemos.

DISNEYLANDIA - O riograndense Cristóvão Feil, sociólogo e ensaísta, publicou na agência Carta Maior uma bomba: o artigo Disneylandia de bombachas. Partindo de um fato, o de que o movimento tradicionalista é uma representação criada por jovens de classe média na era Vargas, Feil desanca com o seu Estado numa ansiedade que só pode ser entendida como vontade de tornar-se o que não é, um estrangeiro cosmopolita acima das veleidades rurais gaúchas, que o cerca por todos os lados. Vejam as palavras que ele escolheu para definir o Rio Grande do Sul: ideário rude, pastoril cenário austral brasileiro, charqueadas da ignorância. A síntese da sua crítica está no final do texto: Uma mega disneylandia de bombachas é a aspiração mais legítima do tradicionalismo de espetáculo. A estância-fetiche como sagração da vida boa, e o gaúcho, qual quixote temporão, se defendendo na coxilha da vida com um peleguinho já deslanado e a ferrugenta espada do tradicionalismo. Encaro o desabafo, vestido de argumentação científica, do autor como uma reação de alguém que prefere o mundo urbano do Estado livre do assalto do tradicionalismo em seus redutos ditos civilizados. Uma porção de Porto Alegre busca uma identidade própria de capital. Já esteve voltada para o Rio até os anos 50, quando muitos locais se diferenciavam do resto dos conterrâneos forçando um pouco o final das palavras, num chiado charmoso inspirado na fala carioca. Tornou-se bairro de Salvador nos anos 60, quando surgiu o dialeto trilegal. Hoje, com o Brasil soberano sucateado, busca inspiração fora das fronteiras. Londres, Paris, Nova York: qualquer cidade importante serve para traçar o perfil do riograndense que precisa escapar do tradicionalismo. Cumpre a esse intelectual fazer uma crítica do movimento que toma conta das ruas, das festas, das mentes e das crianças. Mas não precisa negar a própria origem, sentir vergonha do que foi construído na sua terra e simplesmente querer detonar as manifestações populares que conquistaram o povo e possuem uma ligação poderosa com a História, mesmo que essa História, como todas as outras, seja também uma representação. Não precisa sentir vergonha, Feil. Faça resenhas críticas de autores estrangeiros e pose de grande intelectual urbano. Ninguém vai te chamar de grosso. Mas não derreta inutilmente sua bílis contra as criaturas que encontram numa vestimenta, numa dança, num churrasco e numa poesia a alegria que lhe é negada pelos donos do poder e da verdade. E não use as palavras de Joseph Love só para confirmar seus ataques. Descubra em Love a grande admiração do brazilianista pela terra que você nega. Fica feio, Feil, distorcer o que os livros nos trazem de mais precioso. E quem disse que o tradicionalismo gaúcho despreza ou ignora Érico Verissimo? O Continente, a obra-prima do grande escritor, é a Bíblia da gauchada, tchê!

PASSOS - O que tem a ver tudo isso com o pensamento de direita? Tudo. O esnobismo pseudo-intelectual, a vontade de arrancar a própria pele e rosto, procurar outra persona fora das fronteiras, fazer joguinho de gato e rato de identidades para parecer o que não se é, deturpar os sentimentos populares, fingir-se de inglês, polonês, americano, tudo isso é isca para grandes verbas públicas desviadas dos impostos. Tudo isso é ditadura civil. Portanto bota o assado na brasa, serve um arroz carreteiro, capricha no chimarrão que vou declamar um poema, de preferência de Jayme Caetano Braun, e vou pedir a alguém afinado que me cante um legítimo Noel Guarany. Pode ser aquele que diz: eu vejo um rio que murmura, um caíque pescador. Silêncio! Meu pai caminha sobre as águas. No meio da escuridão escuto passos. São nossos ancestrais que lutaram pelo país e que foram não só rurais, mas urbanos cosmopolitas de verdade, que criaram um ambiente onde medraram as idéias da modernidade, não apenas as de Auguste Comte. Lugar de debate franco e aberto, de pessoas letradas e muitas delas geniais. Achar que o Rio Grande é uma cavalgadura é típico de quem desconhece tudo, mas adora agarrar-se aos preconceitos para desancar o que é legítimo, mesmo que não contenha as pseudo-verdades que orientam a sociologia de araque. Quem quiser ler o artigo, que procure. Não vou colocar link nenhum.

RETORNO - E mais um viva para a Semana Farroupilha, que se encerra hoje.

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