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4 de setembro de 2004
VIOLÊNCIA, A ESCOLA DA PALAVRA SEM PODER
A violência é a resposta ao vazio da palavra. Quando as palavras perdem o poder, parte-se para a ignorância. Uma das saídas mais comuns é o fundamentalismo, que é exatamente isso: pessoas desprovidas do poder das palavras recorrem aos textos sagrados para matar e lutar pelo poder que eles não possuem, esquecendo-se que os livros religiosos não são a palavra de Deus, já que neles Deus é apenas fonte, não texto. O texto está a cargo dos santos e profetas, que ensinam como é possível ter acesso ao poder da palavra por meio da fé, da ética e da justiça. A invasão da escola na Rússia faz parte desse grave problema: tanto o Estado que invadiu quanto os fundamentalistas que prenderam os reféns são grupos desprovidos do poder da palavra. Com eles o que fala é o horror, o horror.
MERCADO - Deu a maior polêmica meu texto sobre o maratonista Vanderlei Cordeiro de Lima no Comunique-se. De um lado, colegas que se emocionaram com o texto e concordaram com algumas idéias ali expostas. De outra, pessoas me chamando de arrogante e equivocado. Faz parte do espírito democrático. O importante é o exercício do texto e a garantia de que, ao escrevemos, encontramos a palavra certa, vinda direto da cabeça e do coração. Se não tivermos esse domínio, vamos nos envolver com conversas vazias (que eu chamo de ruinas da linguagem, presente em todos os lugares), monólogos ou violência pura e simples. Precisamos botar fé no que dizemos, expor nossa palavra e não desvirtuá-la em função do mercado. Vejo alguns comentaristas mudando de opinião conforme sopra o vento, tomando partido aparentemente sem nenhum motivo, vestindo seus comentários com euforias estatais, denunciando sem nenhuma ligação com a sinceridade. O jornalista está acostumado a se comportar diante do que ele chama de mercado da mídia, pois sempre tem um colega, um leitor, um editor, um patrão a podar-lhe as asinhas. Isso leva à padronização das falas, ao medo generalizado e à hegemonia dos verdadeiros arrogantes e manipuladores, que pontificam sobre tudo, esquecendo-se que existe talento de sobra na praça, apenas esperando a chance de se manifestar. Quando uma escola é invadido e há um massacre, não basta, por exemplo, simplesmente dar a notícia ou fazer um editorial comentando a tragédia, colocando toda a culpa no terrorismo ou na inabilidade técnica de Putin. É preciso ir mais fundo e refletir sobre o que realmente isso significa.
COLÉGIO SANTANA - Uma escola é onde os espíritos se formam por meio do acesso aos instrumentos do conhecimento. Numa escola você aprende a ler, escrever, analisar, reproduzir o pensamento próprio ou alheio. Lá você tem acesso aos fundamentos das ciências e, em alguns casos, das religiões. Tive a sorte de estudar na primeira infância num colégio público e na adolescência e juventude com os irmãos Maristas. Não havia fundamentalismo em nenhuma dessas escolas. Fomos criados na democracia dos anos 50 e 60 e estamos gratos, principalmente agora que nosso querido Colégio Santana de Uruguaiana completa um século de vida. Para manifestar sua gratidão o ex-aluno Moacir Bastiani palmilhou a pé a enorme distância entre Porto Alegre e nossa cidade, que soma uns 600 quilômetros. Foi recebido suado, vermelho, mas feliz, pelos alunos de hoje e pela população da cidade. Desfilou sorridente em carro aberto num evento maravilhoso de fé no ensino e em tudo o que ele pode proporcionar. No lado oposto dessa manifestação, o ataque terrotista à escola russa e a invasão estatal que provocou a sanguinolência geral, fazem parte do que hoje mais tememos: sermos interompidos pela violência de inimigos, adversários, colegas, vizinhos, conterrâneos, estrangeiros ou compatriotas. Pois a palavra sem poder, a discussão inútil, a incompreensão e a revolta por motivos fúteis estão por toda a parte.
PRESIDENTE - Lembro de um trecho do hino do Santana que gosto sempre de cantar: Colégio Santana, que a todos irmana, oficina de heróis do Brasil. Lá, entre muitos outros, estudou o presidente João Goulart, deposto por um golpe de estado e que voltou à pátria num caixão. Foi quando perdemos o contato com o Brasil soberano e hoje cabe a nós carregarmos as palavras de poder verdadeiro, o dos espíritos livres. Só com esse tesouro podemos desarmar a violência e entrarmos numa era de paz verdadeira e duradoura.
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