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22 de setembro de 2004

O JORNAL ANTES DE SER SANTA


Fizeram grande festa para comemorar os 33 anos do Jornal de Santa Catarina, de Blumenau, com direito a homenagens e discursos. O motivo foi o novo formato, agora tablóide, do chamado Santa, que no meu tempo era conhecido como JSC. Falou-se muito do pioneirismo do jornal, que hoje é de propriedade da RBS. Mas ninguém se lembrou de resgatar os nomes que fizeram acontecer essa publicação. Pela ordem: Nestor Fedrizzi, diretor de redação e José Antonio Ribeiro, editor-chefe. Também não lembraram de chamar o Mario Medaglia e o Virson Holderbaum, dois jornalistas da equipe original que ajudaram a colocar o bloco na rua e que estão aqui em Floripa. Tem ainda o Renan Ruiz, da Arte, o Sergio Becker, e o locutor que vos fala. Tinha mais gente, como Paulo Becon, colunista social, que como o José Antonio, o Gaguinho, partiu para o Outro Lado. E outros. Nenhum deles foi citado na homenagem, que eu saiba.

PIONEIROS - Os que chegam na frente, os que vêm antes, os que botam a cara para bater (sair de Portinho para encarar Blumenau em 1971 era coragem), os que abrem caminho, os que cruzam o umbral, os que se atiram, os que criam, os que fazem, os que plantam, os que inventam, e depois partem para sempre, esses são esquecidos. Por que? Porque os pioneiros não dão bola, ou não têm noção exata, do que fizeram a partir do nada. E porque os que chegam depois nem sabem o que os pioneiros passaram. Chegam e o jornal já existe. Chegam e o arquivo está cheio de edições antigas. Chegam e já existem leitores, histórias, currículos, tradição. Chegam e sentam-se, mas nem se lembram do que foi possível fazer. Como fomos todos morar ao lado da redação, porque éramos duros de dar dó. Como o trabalho continuava dentro de casa. Como sentíamos a oportunidade de fazer algo bom, inédito, longe dos outros colegas, que se acomodaram, que ficaram para trás, disputando um mercado já conhecido. Fica assim o ciclo completo. Quem abre caminho não dá bola. Quem vem depois nada sabe de quem veio antes. Nestor Fedrizzi, que ajudou a montar a Ultima Hora de Porto Alegre para Samuel Wainer, merece um perfil de página inteira no jornal renovado. Pus Fedrizzi no Google e tinha quatro, apenas quatro ocorrências. Como podemos esquecer nossos grandes jornalistas? Nossa equipe original era bastante invocada e deu trabalho para os donos do jornal ao reivindicar uma ajuda de custo, que foi conseguida como empréstimo. Bolamos nosso movimento no Michel, restaurante do centro da cidade. Discutíamos em voz muito alta e o dono do restaurante nos olhava com grandes olhos de pânico. Mas éramos apenas meninos cheios de leituras e vontades e o movimento acabou quando chegou o vale. Depois, fomos nos dispersando.

CONSULTORIA - Há um movimento geral contra a fajutagem das consultorias. Reservei dois textos supimpas sobre o assunto. Um deles começa assim: Mello tinha mandado derrubar uma parede do escritório, e atrás dela descobriu uma garrafa velha, com uma forma estranhíssima. Quando ele tentava tirar a poeira da garrafa, ela fez puf! e um sujeito apareceu do nada. Eu sou o gênio da garrafa, e vou atender a um desejo seu. Um desejo? Mas não são três? Costumavam ser três - o gênio desengarrafado explicou. Mas a direção da empresa dele havia feito um downsizing no quadro de gênios para melhorar a produtividade sistêmica. Então o serviço acumulou, e alguns desejos estavam com o prazo de entrega estourado. Por isso, só ia dar para atender a um. Então tá - o Mello falou. - Eu quero 1 milhão de dólares. Não é uma boa idéia... - o gênio ponderou. Peraí, que raio de gênio é você? Nunca vi gênio discutir desejo... Sou um gênio consultivo. Meu cartão. E, antes de mais nada, você precisa assinar este contrato de Prestação de Serviços Geniais. Todas as cinco vias, por gentileza. Um gênio consultivo - o Mello ficou sabendo enquanto assinava o contrato, era diferente desses gênios mambembes que andam por aí e que viram fumaça depois de atender ao desejo. Gênios consultivos são comprometidos com os resultados, e por isso tem de primeiro entender as necessidades do cliente, para depois desenvolver e apresentar uma proposta que maximize a solução mais viável para cada caso especifico. Como você alocaria o milhão de dólares? - o gênio perguntou para o Mello. Antes de atender a seu desejo, precisamos elaborar um cronograma de investimentos e um cash flow descontado para os próximos 20 anos. Você está pensando em aplicações de alto ou de baixo risco? Local ou offshore? Offsh... Escuta, não dá para você me dar logo o meu milhãozinho, e depois eu resolvo? De jeito nenhum. Temos um nome a zelar no mercado. Posso lhe fazer uma sugestão? Não peça dinheiro. Peça debêntures conversíveis em ações. O que eu quero é simples. Uma milha! Uma verdinha em cima da outra, e pronto! Você teve muita sorte de eu ser um gênio consultivo, e não um gênio picareta, como há muitos no mercado atualmente. Você tem idéia de quanto é 1 milhão em cash? Mesmo descontando os impostos... Um gênio associado lhe dará todas as coordenadas para o recolhimento. E ainda há a nossa comissão. Dezoito por cento. Sobre o valor bruto. E do valor líquido serão deduzidas as despesas extraordinárias, abatidas em parcela única. É difícil calcular antes de comprarmos o sistema de informática e instalarmos o software tailor-made. Mas eu estimaria algo entre 70.000 e 100.000 dólares. Mas eu não preciso de sistema, nem de software! Sinto, mas está no contrato. Página 49. É inegociável. Além, lógico, dos custos para acompanhamento posterior ao atendimento do desejo, que nós chamamos de pós-venda in loco. O texto termina com uma máxima: Só tem uma coisa pior que sonhar com gênio que pensa que é consultor. É ter de conviver com consultor que pensa que é gênio.

COLHER- O outro é ainda melhor: Semana passada levamos alguns amigos para um novo restaurante. Percebemos que o garçom que anotava nossos pedidos carregava uma colher no bolso de sua camisa, o que era meio estranho. Quando o auxiliar de garçom nos trouxe água e talheres, percebi que ele também arregava uma colher no bolso da camisa. Olhei ao redor e vi que todos os funcionários do restaurante tinham colheres nos bolsos de suas camisas. Quando nosso garçom retornou para nos servir o primeiro prato, perguntei-lhe: Porque a colher no bolso? Bem, ele disse, os proprietários do restaurante chamaram a Consultoria Anderson para melhorar todos os nossos procedimentos. Após vários meses de análises, eles concluíram que a colher é o talher que mais cai no chão. Isso significa uma freqüência aproximadamente de 3 colheres por mesa por hora. Se o nosso pessoal está melhor preparado, podemos reduzir o número de viagens à cozinha para buscar colheres limpas e isso significa uma redução em 15-homens-hora por turno. Coincidentemente derrubei minha colher e ele pôde substituí-la de imediato com a sua colher sobressalente. Irei buscar uma nova colher na próxima vez que for à cozinha ao invés de ir especialmente até lá para essa tarefa, ele disse. Fiquei muito bem impressionado. Aí percebi que havia um barbante pendurado para fora do zíper de sua calça. Olhando em volta, vi que todos os garçons tinham um barbante similar para fora de suas calças. Antes que nosso garçom se afastasse de nossa mesa, perguntei-lhe Desculpe-me, mas pode me explicar porque você tem um barbante pendurado bem aí? Certamente, ele respondeu. Aí ele abaixou a voz e disse: não são todos que observam isso. A empresa de consultoria que lhe mencionei também descobriu que podemos ganhar tempo no banheiro. Amarrando esse barbante o senhor sabe aonde, podemos puxá-lo sem encostar naquilo e isso elimina a necessidade de lavarmos as mãos, reduzindo o tempo gasto no lavatório em 76.39 %. E como é que guarda o dito cujo, após usá-lo? perguntei. Bem, ele sussurrou, eu não sei sobre os meus colegas mas eu uso a colher.

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