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13 de agosto de 2004

O MERCADO HUMANO DA MODA

Nas passarelas da moda, crianças a partir dos 14 anos exibem, sem que ninguém diga nada contra, seus corpos quase despidos, com roupas que jamais alguém usará, e que só servem para destacar o objeto de desejo. A reprodução massiva desse mercado humano garante à publicidade e à mídia vultuosas montanhas de dinheiro. O que está à venda é o apelo sexual, e o produto é uma criatura treinada para exibir seus dotes. Mesmo que nada exista além disso, que não haja nenhuma outra espécie de baixaria nos bastidores, o que é visto já deveria encher de vergonha uma civilização. O mais trágico é que o Brasil, o país-fêmea, é atualmente o maior fornecedor de beldades desejáveis.

FUTURO ? A passarela é o não-lugar onde a imaginação erótica corre solta. Um anjo nu desfila coberto por uma túnica transparente ao som de música tecno e sob luzes que multiplicam as sensações. Os passos trançados servem para balançar as cadeiras, e tornar todo o corpo um novelo de curvas, para atiçar a gula da platéia (milhões de pessoas de olho no produto). As roupas são apenas decorativas e imediatamente esquecidas no desfile seguinte. O que é permanente é a mulher, que roda por cidades milionárias fazendo gigantesco pé de meia. Quando finalmente acontece a concretização do desejo, como comprova a vida do sr. John Casablancas, que um belo dia veio ao Brasil para casar com alguém do interior do país que completava na época uns 13 anos ou algo parecido (sob aplausos entusiásticos da mídia que não viu nisso nada demais), a ficha cai. É para isso que serve! A cara tosca do sr. Cicarelli diante da namorada que se expõe para o universo é outra evidência. Fica-se sabendo que ele a presenteou com um apartamento em Paris e ajudou para que a moça fosse capa no Vanity Fair. Ronaldinho deveria aprender alguma coisa com o sofrimento. Ele se recuperou de uma grave contusão (que a pirataria internacional jurava ser definitiva) não porque é brasileiro e não desiste nunca, mas porque experimentou uma vida familiar estável, casado e com um filho. Essa base emocional foi somada ao dinheiro e à existência de um fisioterapeuta do Brasil, que não compactuava com o diagnóstico que eliminava o jogador (que ficaria assim marcado para sempre pelo fiasco na final da copa de 98, quando sobrou boatos sobre a má influência de um caso mal parado com uma alpinista social). Mas como é um grande bobalhão, apesar de craque magnífico, caiu de novo na armadilha. Sua cara de songa monga, pretensamente cheia de tesão, em direção à escultural modelo, virou manchete das revistas. Todos acham uma gracinha.

CONCERTO - No concerto internacional das nações, o Brasil entra com a mulher. Temos gigolôs treinados. O repórter da Globo entrevistava um atleta americano e este dizia que não sentia tesão pelo futebol feminino do Brasil, mas caía de quatro diante das duplas femininas de vôlei. Tudo com o beneplácito do repórter-escroque, que ajudava a oferecer as fêmeas do seu país para a cobiça internacional. O Brasil é um país que, esteja onde estiver, sacode as tetas. Logo depois dessa manifestação explícita de proxenetismo, veio massiva reportagem sobre os atletas americanos, o país-macho, que a todos come sem dó. Os Estados Unidos invadem o Iraque e transformam o país num inferno. Matam iraquianos de todas as idades. Pois o noticiário nacional de TV chama as vítimas de rebeldes e dizem na maior cara de pau que eles estão conflagrando o país. A TV brasileira está à direita de Bush. Vi outra matéria sobre arte abstrata. As crianças aprendiam o que isso significava. Pois ensinaram que as formas abstratas sempre lembravam algo do mundo, pretensamente real, percebido pela colonização do olhar, e todos poderiam tentar visualizar formas conhecidas a partir das sugestões do abstracionismo, que assim virou um apêndice do figurativismo. Em nenhum momento a matéria sugeriu que as formas abstratas são apenas isso, formas abstratas, e que um volume não precisa, obrigatoriamente, lembrar um elefante. A matéria, claro, saiu na Globo, a Treinadora do Mal. Nos domingos, as videocassetadas do Grande Bundão servem para destruir a auto-estima do telespectador, que, em vez de insurgir-se, ri da sua desgraça, para recomeçar mais uma semana como escravo. E ao contrário do atleta americano, que fica de olho nas nossas atletas como se isso fosse assunto dele, acho a tal peteca de praia uma chatice sem fim e aposto no selecionado feminino de futebol. As gurias jogam o fino e começaram vencendo.

RETORNO - Com a força de Urariano Mota, que é meu atento editor para textos que precisam ganhar o mundo, enviei meu ensaio sobre John Reed e Chaplin para Jesus Gomez. Editor com E maiúsculo, como diz Urariano, nosso grande Jesus (que é autor de textos contundentes) já colocou o artigo com destaque no La Insignia, um espaço que reúne apurada seleção de autores, da qual tenho a honra de participar.

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