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15 de agosto de 2004

A HIERARQUIA DAS NAÇÕES


As Olimpíadas são a reiteração das posições hierárquicas das nações, definidas logo depois da Segunda Grande Guerra. A única forma de reverter esse quadro seria uma real democracia em escala mundial, com direitos humanos assegurados e respeito entre os povos. Sonho que o brasileiro raro, Sérgio Vieira de Mello, pagou com a vida no dia 19 de agosto de 2003. Com o design renovado pelo nosso webmaster Miguel Duclós, o Diário da Fonte inaugura a Semana Sérgio Vieira de Mello abordando os jogos de Atenas, que são a justificação histórica da hegemonia americana e seus mais próximos aliados.

ETERNOS VENCEDORES - Nesses jogos, infelizmente encarnamos o pior dos personagens: o que chega com a banda mas não é levado a sério no pódio. Talvez a Inglaterra não tenha um esquema parecido com a da nossa mídia lá, presente, mas em compensação, possuem atletas. Os brasileiros são criaturas não sintonizadas com o que é feito com o corpo humano nesta disputa. Os eternos vencedores são manipulados para isso e batem em todos os detalhes. No futebol feminino, por exemplo, jogamos o fino no primeiro tempo contra os Estados Unidos, mas no segundo tempo dançamos diante da nossa incompetência, dos trancos dos adversários e da arbitragem. Duas das nossas jogadoras foram parar no hospital. O jogo bruto da política internacional, que faz vítimas nos esportes que envolvem disputas entre nações, mata em qualquer campo. Na África, houve neste fim de semana um massacre num campo de refugiados. Pessoas foram mortas a machadadas. Por cinco horas Sergio Vieira de Mello agonizou nos escombros do prédio da ONU. Ele estava costurando um acordo sério no Oriente Médio, hoje entregue à sanha assassina de todas as facções e das nações envolvidas na guerra. Nos resta homenagear aquele que foi o melhor dos brasileiros.

O FINO DO FUTEBOL - Se o futebol é uma impossibilidade teórica (encaixar uma esfera num espaço limitado por linhas retas), e seu principal conflito é entre a curva e a reta, entre volumes redondos e retangulares, então esse jogo é a busca permanente por espaços que não existem. A retranca é o cânone da impossibilidade, pois não permite que o adversário se movimente, ou seja, encontre espaço. Por isso o passe direto do meio do campo que deixa o atacante na cara do goleiro é o lance mais importante depois do gol. O gol é a consagração do espaço então inventado. A celebração de um gol (com exceção dos argentinos, que festejam como se tivessem acabado de cometer um assassinato) é a constatação de que o espaço inexistente pode ser um ato de criação. A caixinha de surpresas é a natureza quântica do jogo, um baú de possibilidades. Contra as americanas, tínhamos Marta e Pretinha, mas tropeçamos em Rosana e Christiane. Marta é a melhor do mundo e comprova que o futebol feminino, por estar no começo e ainda se pautar pelo seu clone masculino, pode resgatar coisas perdidas como o drible, essa curva do corpo que cria o espaço mínimo e básico para o movimento. O passe excessivo tem substituído o drible, para infelicidade geral da nação brasileira. Há rebeldia, como Edílson, hoje no Vitória e que por isso é chamado , claro, de Capetinha. O negro no futebol brasileiro (título de um livro magnífico de Mario Filho) ainda é visto nos seus papéis sociais de escravo. Ouvi o Zagallo dizer ao vivo que colocaria duas peças na defesa. Peça é um termo da escravidão, significa um escravo adulto ou pode valer uma criança e um escravo mais velho ou algo assim. Termos uma jogadora com nome oficial de Pretinha não nos recomenda, já que não existe nenhuma adversária com o nome de Branquela, ou Arroz com Leite.

DUREZA - Como os americanos não suportam ser vencidos em nada, querem ser os maiorais também no futebol, que eles chamam de soccer (para eles, futebol é aquele jogo que eles jogam com mão, as calças apertadas, capacete de motoqueiro e a bunda arrebitada ? poderia ser apelidado de assball). Vimos essa obsessão no jogo contra as brasileiras. As jogadoras estreladas bateram duro e aproveitaram a falta de objetividade do nosso ataque (e a frouxidão do meio do campo) para fazer dois gols. Tínhamos chance de definir a parada no primeiro tempo (probabilidade quântica que não se concretizou, pelo menos neste mundo). Mas fiquei impressionado com o domínio pessoal da bola de muitas das nossas jogadoras, dos chutes a gol maravilhosos, como um de barreira que foi batido de lado em curva. O futebol feminino precisa reiventar-se. Ainda é muito novo e deveria ter apoio aqui no Brasil.

RETORNO - 1. Leio o primeiro volume da obra autobiográfica de Celso Furtado e da fonte clara do seu texto brota o Brasil que perdemos, o que tinha presença internacional e não era alvo da risada geral do mundo. Furtado é quem lança luzes sobre os anos 1946 /1948, decisivo para entendermos o Brasil e o cenário internacional que até hoje nos domina. Época em que fez carreira diplomática o pai de Sérgio, que foi colocado para fora do país pela ditadura de 64. 2. A nova foto deste blog é de autoria de Marcelo Min, que captou o instante em que eu abraçava os exemplares da revista que implantei na Fiesp com uma equipe de primeiríssima água.

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