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29 de junho de 2004
A GRANDE MÚSICA OCULTA
Vivemos em plena era Muts Weyrauch. Basta ligar o rádio, ops, o cd independente, para escutarmos suas belíssimas interpretações, composições, arranjos. Por ser autêntico, Muts pode ser chamado de roqueiro, mas é muito mais do que isso. É músico brasileiro de primeiro time. Tão grandioso que não cabe, no seu perfil sempre modesto e quase fechado, essa visão majestosa de sua música imortal. Por isso tudo soa exagerado quando falamos dele, e de seus pares, inúmeros, como Carlinhos Hartlieb, Bebeto Alves e Cláudio Levitan, já que o Brasil decidiu prestar atenção em outras coisas. Por falar nisso: o tempo não pára! Puxa! Mas que profundidade! Não pára mesmo! Se não colocassem isso em todas as mídias, jamais acreditaria. Putz. Ou melhor, Muts!
ALMA PRISIONEIRA - Do que estou falando? Parece loucura dizer esse tipo de coisa, mas a ditadura que nos encaçapou deixou de lado o talento e é de talento, enorme, mas oculto, que estou falando. Em Porto Alegre nem precisa dar explicações, todos conhecem o Mutuca Weyrauch, atualmente de luto por perder seu companheiro de banda de décadas, o insubstituível Chaminé. A questão é o seguinte: jogaram o país fora com sua música junto. Mas o milagre é que a música continua sendo feita, e agora toma conta do formato MP3, dos cds anônimos, nos shows lotados mas desconhecidos pela imprensa, que prefere sempre ver as mesmas coisas e falar o que falaram o ano passado. Não arriscamos mais em resenha musical. Deixamos a análise de fatos políticos, canções, filmes, tudo para os estrangeiros. O que fazemos, com algumas exceções? Calamos e escutamos o que os americanos tem a dizer. Chega de artigos traduzidos na imprensa, pelo amor de Deus! Por que existe esse espaço sendo ocupado? Porque primeiro acabaram com a especificidade da música. Nossos sucessos são música pop de ultima categoria e música mexicana gritada com chapéu texano, o que é pior do que o horror, é como viver dentro do ventre em fogo de Godzilla. Nosso analistas não arriscam. Esperam ler o que os estrangeiros dizem para repetir aqui. E fazem resenha,mesmo, e não ensaio, ou seja, contam o filme, o livro, mas não mergulham nele, não ousam, não tiram suas próprias conclusões. É tudo um no cravo e outra na ferradura. Parece fogo feito com esterco de vaca e não com madeira de lei: em dois toques acaba (leia o jornal O Buziano e descobrirá a origem dessa metáfora). O que temos então: milhares de músicos maravilhosos escondidos. O que fazem para revelar talentos: coisas como Fama, o programa da Globo, em que aparecem intérpretes imitando alguém. Exceção nesse quadro são os concursos como o Visa de MPB. Mas os talentos revelados ficam a meio do caminho. Por que? Porque está tudo dominado, as gravadoras e o mercado estão na mão dos incompetentes. Dizem que os chefões são os sub-músicos do tempo do iê-iê-iê nacional. Faz sentido. A musiquinha de lata que dominou os 60 realmente não quer sair da raia, nem mesmo com o rei Roberto voltando-se para a matriz nacional do Orlando Silva.
QUERÊNCIA - Mas fiquei fazendo discurso e não aprofundei o tema Mutuca, Bebeto, Hartlieb, Levitan. É simples: são músicos/compositores geniais. Desconhecidos, porque vivemos na ditadura (Carlinhos há tempos foi-se para o Outro lado). Sem falar, meu Deus, no Zé Gomes, que é maestro e gênio absoluto da raça brasileira. Zé Gomes está com um cd inédito, prontinho, cadê interesse, patrocínio, o que for? Nada. E dê-lhe gritaria. Chega. Hoje, vi a gaivota arqueando as asas em pleno ar, dominando o vento contrário, ficando quase imóvel. Bastou um leve movimento e ela deslizou pelo cobertor do nada. Depois, pousa sobre o poste de luz e olha para os peixes que podem haver no mar. A lua quase cheia aparece no meio da tarde e vai ficando alta, alta, conforme a noite vem chegando. O Cruzeiro do Sul comparece aqui no planeta terra. No aparelho de som, toca a maravilha de Muts, com letra minha, que diz: irei até os anéis de saturno, para encontrar objetos perdidos... É assim a vida no planeta terra, num país chamado Brasil. Voltei, Sul do Brasil (que tanto implico com essa tabula rasa, como se o sul fosse uma coisa só). Voltei, terra querida. Olho para o teu céu e não acredito que fiquei tanto tempo longe. Escuto meu poema alma prisioneira pela voz e música de Muts: o círculo de riso e rotina, verso que fiz quando estava muito longe daqui. Voltei, Sul. Querência. Estou mais perto dos meus heróis enterrados no torrão amado. Contam-me que Teixerinha foi cantado pela multidão quando Brizola chegou a Porto Alegre. Teixeirinha, malhadíssimo por ter criado um clássico, o imortal Coração de Luto (mãe só pode morrer na dramaturgia estrangeira), disse um dia: daqui a vinte anos serei folclore.A música dele que a multidão cantou para o herói é a não menos clássica "Querência amada".
RETORNO - 1. Os quatro textos que escrevi sobre Brizola, durante os funerais do herói, estão agora no meu site, com chamada de primeira página. Diagramação, design e produção técnica do webmaster Miguel Duclós.
2. Tailor Diniz me avisa que o foi publicado na Zero Hora de hoje, quarta-feira, na seção O que estou lendo: "Tabajara Ruas, escritor - Acabo de ler Universo Baldio (Francis, 186 páginas, R$ 29,50), primeiro romance de Nei Duclós, escritor gaúcho que está morando em São Paulo. Nei não é autor que lance com freqüência, mas sempre vale estar atento ao trabalho dele. O novo livro fala sobre os anos 70, em que um personagem expulso de Porto Alegre pela repressão funda em Florianópolis a República de Itaguaçu. Nei também é autor de um livro do qual eu gosto muito, Outubro, poemas com ilustrações de Claudio Levitan."
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