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30 de maio de 2004

PALAVRA, ENCARNAÇÃO DO FATO

A indústria da informação complicou o uso da palavra. O que era complexo virou armadilha mortal. A análise que pretende libertar-se das endemias teóricas contraiu novas doenças, entre elas a desnacionalização dos articulistas. No vácuo promovido pela dispersão e a incompetência da abordagem, expressões que meses atrás nem conhecíamos viram consenso na mídia contaminada pelo espetáculo e perplexa diante da guerra. Os acontecimentos evaporam no ar, enquanto as palavras, solidamente, fecham seu cerco indevessável sobre nossas vidas.

FILA - Como fiquei alguns dias sem renovar este Diário, os assuntos atropelaram-se e já nem sei por onde começo. Talvez explicando quais expressões que tornaram-se agora consenso obsessivo no noticiário. Alguém já tinha ouvido falar em Risco Brasil até 2003? E será que existe gente hoje que aguenta mais uma repetição da indefectível "sensação térmica" ? Antes, dez graus eram dez graus. Sabíamos do que se tratava. Agora, dizem, são dez graus, mas você percebe essa temperatUra bem abaixo, porque tem o vento gelado. Não consigo entender esses dois níveis de realidade. Um, oficial, ditado pelos termômetros. E outro que é mais um feeling. Então, tá. Sei exatamente do que se trata quando falam em dois graus negativos. Já estive numa pescaria sem barraca, debaixo de grossas camadas de lona e lã, usando até gorro para não congelar (sob os cobertores, o calor é realmente sensacional). Era julho, férias, pescarias obrigatórias. Na manhã seguinte, meu pai exultava mostrando seus sapatos secos, pois tinha colocado o seu par embaixo da cama improvisada ao relento. Nós, marinheiros de primeira viagem, deixávamos as alpargatas ao lado da cama, que amanheciam encharcadas. A sensação diante do riso do meu pai não era muito térmica. E Risco Brasil? Para mim cheira a sacanagem. Eles medem o quanto o investidor especulativo estrangeiro pode lucrar com os trouxas desta nação se comprar ou não os papéis do governo, esse expediente para arranjar dólares que aplacaria, em tese, a fome extorsiva da dívida externa, que tem como retorno mais dívida.

ANEXAÇÃO - Gilberto Vasconcellos, lúcido e assustador como sempre, diz no mais recente Mais!, da Folha, que a chamada dívida externa é estratégia de anexação territorial. A boa notícia, que não refresca muita coisa, são mais duas bases da Aeronáutica na Amazônia. Estão derrubando avião brasileiro adoidado. E são os colombianos que atiram. Agora que somos colônia da China e estamos fazendo de tudo para nos atrelarmos subservientemente também à Russia, até colombiano vem tirar uma casca de nós, o país aberto a toda falta de respeito internacional. Nossa nova fase de "alinhamento" com os outros países é o de aceitar o papel de colônia em relação a colonizadores emergentes, já que diante dos países ricos nem tem graça, esses deitam e rolam há séculos. Falta-nos pagar pau para chineses, russos, e quem mais vier. Não há saída desse beco. Perdemos força, pois as palavras estão atreladas à mídia cansada de guerra. Importamos analistas estrangeiros. Agora são os americanos, franceses e ingleses (e até australianos, neozelandeses e canadenses) que analisam por nós, já que não temos voz ativa, nosso colunismo restringe-se ao humor e às superficialidades dos costumes. Os cronistas estão sempre às voltas com seus umbiguinhos e jamais ousam nada. Tanto isso é verddade que o mais contundente colunista é o José Simão, que é puro escracho. Quem está surpreendendo é o Arnaldo Jabor, com quem nuunca simpatizei, pois ficou anos puxando o saco do tucanato. Mas ele tem sido bastante contundente em suas rápidas intervenções na Globo.

FRONTEIRA - Quem tem me irritado é o Carlos Heitor Cony, com seu livro, o Beijo da Morte, que é uma fixação sobre ex-presidentes brasileiros assassinados, onde deita calúnias sobre Uruguaiana. Diz neste livro que esteve em São Borja em 2002 e que de lá não conseguiu se locomover até a cidade " mais próxima", Uruguaiana, a não ser de taxi. Cony, morador dessa clocaca que é a Lagoa Rodrigo de Freitas, escuta aqui: antes de chegar a Uruguaiana, você, se fosse um escritor de verdade, passaria pela bela cidade de Itaqui. Entre as cidades da fronteira, existem linhas de ônibus regulares desde os anos 40. É mania que ele tem, dizer que a região onde nasceu Getúlio Vargas é um ermo tomado pela barbárie. É preciso que ele more alguns meses lá para tomar um banho de civilização e deixar de ser num escriba brutalizado. Se não tens o que inventar, caia fora, que há muita gente boa na parada, pronta para divulgar palavras não tomadas pelo escândalo da mesmice e das asneiras entronizadas.

RETORNO - 1. Tony Monti mata a pau com sua nova série de entrevistas com seus amigos. O link está aqui e ao lado, já faz parte do cardápio de Outubro.Leia esse belíssimo trabalho, que, se vivêssemos num país livre e soberano, estaria na mídia impressa e não apenas na rede. Zé Medeiros, Nara e Miguel Duclós respondem às provocações de Tony e o resultado é maravilhoso. Ei, colunistas da imprensa, aprendam a trabalhar com a nova geração em vez de ficarem encastelados nas suas obsessões.
2. O poeta Rubens Montardo Junior me envia magníficas notícias de Uruguaiana. Primeiro, as comemorações da semana da cidade e dos cem anos do Colégio Santana. Nas festividades, uma homenagem ao Irmão Arno Griebler, que foi nosso professor de História e Inglês no ginásio (tínhamos ginásio naquela época!) e que hoje é diretor do colégio. O discurso, maravilhoso, ficou a cargo de Miguel Ramos, que participa atualmente de um novo filme produzido naquele pampa (faz-se cinema em Uruguaiana, Cony!)e que por enquanto é segredo. Frase lapidar do discurso do nosso grande Miguel Ramos, o maior ator do Brasil junto com Othon Bastos: "Numa época de homens sisudos, o Irmão Arno com seu espírito lúdico fez a diferença e, com sua jovialidade e amizade, conquistou uma legião de estudantes, admiradores e amigos."

27 de maio de 2004

PASSEIO POLAR NA USP

Esse vento gelado veio lá da fronteira, tenho certeza. Bateu na grama impecável da universidade debaixo de um sol de inverno precoce. Sentei um pouco na hora do almoço na imponente e renovada Praça do Relógio. Ao contrário do que diz Honório no meu romance, lá estavam os quero-queros. Agitados, como sempre. Talvez confusos com tão vasto território parecido com o pampa. Davam parafusos no ar e ecoavam seus gritos assustadores. Refugiei-me, com intervalo numa rápida passagem pelo Museu de Arte Contemporânea, em livrarias e sebos do campus. Lá folheei preciosidades.

SANTO QUIXOTE - O que mais me chamou a atenção no MAC foi uma obra de Regina Silveira. É um pequeno boneco de argila feito por um artesão, de lança em riste, sobre pedestal em preto e branco. Desse conjunto sai uma "sombra" composta por material preto (talvez madeira, talvez plástico). Essa sombra "projeta-se" e forma um Quixote muito espichado, que se desdobra em duas paredes em cotovelo. Do artesanato popular a artista vislumbra o personagem central do nascimento do romance. A figuração do Quixote, que tem em um livro de Portinari sobre o assunto, exposto na portaria, uma contribuição excepcional pela originalidade e radicalidade de traços e cores, é uma referência da modernidade, essa invenção baudelariana. É Jacques Le Goff, com seu livro sobre Memória e História, por onde passeei os olhos na livraria da Edusp localizada na faculdade de História, que explica a criação da modernidade por Baudelaire. Estamos acostumados a usar as palavras sem verificar-lhes direito o sentido. A modernidade nada tem a ver com a atual febre modernosa ou pós, mas implica um resgate do que é permanente em atividades que não eram, aparentemente, vocacionadas para isso (escrever num blog, por exemplo, podemos dizer agora) . Mais não digo porque fui, nesse passeio, um inseto-leitor, que pousa brevemente o olhar sobre folhas de revelação. Aprender não é ficar sabendo uma vez algo para sempre. Aprender é uma coisa diária. Um dia não passa da reprodução de uma vida. Acordamos ignorantes e queremos apenas nosso café com jornal. Ao meio dia, nos achamos sábios, mas não passamos de adolescentes com pretensões filosóficas. À tarde, descobrimos que nada sabemos e então mergulhamos um pouco mais fundo na sabedoria. Só descobrimos alguma coisa à noite, mas aí estamos cansados e vamos dormir. Todo dia é dia de aprender alguma coisa, inclusive o que você aprendeu ontem.

COROADOS - Nos sebos que existem numa galeria ao lado do MAC folheio obras impressionantes. Uma é sobre os índios coroados no Rio Grande do Sul, que, segundo o autor (do século 19), gritavam a palavra "bugre" quando viam os europeus chegando. Receberam esse apelido, o que os diferenciava dos guaranis, coisa que eu ignorava totalmente. Sempre achei que os bugres eram todos os índios. Nunca tinha ouvido falar também dos coroados. Ouvi falar dos charruas e minuanos e sobre esse assunto Delmar Marques guarda um livro na gaveta ainda sem editor. Delmar se acha gaúcho porque foi criado numa fazenda naquele areal de Rio Grande, no litoral. Mas Rio Grande, Pelotas e Portinho são apenas cidades periféricas ao pampa. Vi esses dias um mapa do pampa que pegava quase todo o Rio Grande do Sul, inclusive a montanhosa Santa Maria. Como também nada entendo de geografia, desconfiei. Para chatear, digo que o pampa é só de Rosário do Sul a Uruguaiana. Só mesmo para chatear, já que a gauchada faz a maior questão das raízes. Como nasci lá, naquele horizonte estaqueado, e faço parte dele como qualquer pedra de rio, posso buchinchear um pouco. Mas falava de livros antigos. Edições primorosas de Dostoiewski, volumes da Enciclopédia Britânica, maravilhas daquela coleção Itatiaia-USP, da qual possuo inúmeros exemplares, tudo super preservado e com preços convidativos.

DE CHIRICO - Não existe lugar mais estimulante do que uma universidade, onde você pode comprar uma cocada fresquinha numa de suas lanchonetes e ver uma obra de De Chirico, Enigma de um dia, que foi adquirido pelo Oswald de Andrade nos anos 20 e hoje faz parte do acervo do MAC. Esse é um quadro impressionante. O vazio da geografia, o anti-monumento, pois sobre o pedestal existe a figura de um homem de cabeça baixa, o vento inexistente que sopra fellinianamente nos desvãos daquelas paredes. É uma síntese do tempo que habitamos. Nada nos consola, anti-heróis de nós mesmos, que contamos apenas, ao longe, com a presença indiferente de duas pessoas estáticas. Sobre esse estrado sem sentido, refletimos sobre a aparência das coisas e fazemos parte de um deserto disfarçado de civilização. A aparente simplicidade desse trabalho nos carrega para uma nostalgia do que poderia ter sido, a praça cheia, o dia da vitória verdadeira, a solidariedade em outro tipo de pedestal, sobre o qual brincariam crianças e pássaros. Os gritos dos quero-queros continuam ecoando na USP. Os pássaros também brincam. Não ficam o tempo todo, como querem os documentários pragmáticos da TV, cuidando da prole ou da sobrevivência. Vivem, simplesmente, sobrevoando o mistério de estarmos aqui, sem nada que nos ampare a não ser a vontade de viver mais um pouco.

26 de maio de 2004

AUTORIA, OFÍCIO À MARGEM

Criar é um verbo ainda não assimilado totalmente pela nossa cultura. Ouvi dezenas de empresários confundindo esse verbo com copiar. É sério: "Criamos o produto tal. Meu pai foi ao Japão e me enviou o desenho por fax". Na gigantesca máquina da indústria cultural, a autoria remunerada está confinada a alguns nichos, como os programas de humor (que assim mesmo chupam demais)e, é claro, às novelas e mini-séries (também território minado pela cópia). Normalmente, a criação passa lotada pela grana e fica sendo uma espécie de atividade amadorística, nunca vista em sua real dimensão.

MOACIR FRANCO - Falo isso a propósito da longa entrevista dada pelo Moacir Franco para o programa Vozes, da Uniban, no Canal Universitário. Sempre gostei da voz de Moacir Franco e costumo cantar, para desespero dos que me cercam, seus grandes clássicos românticos. O magnífico cantor (e péssimo humorista) conta que foi elogiado por Belchior, que o coloca no alto, como um dos grandes intérpretes da nossa música, que teve a sorte e o privilégio de gravar seus discos com as melhores orquestras e os mais renomados maestros. Naquele tempo, décadas de 40 e 50 (era Vargas, desculpem!) as rádios tinham cantores contratados com carteira assinada (opa!) e orquestras magníficas. Hoje temos o jabá institucionalizado. Só tocam porcaria e inventam sucessos do baticum tecno ou da gritaria pseudo-sertaneja. Foi-se a harmonia, a melodia, o arranjo sofisticado, a concentração nostálgica, a emoção. É tudo desespero e horror barulhento, como se houvesse a necessidade autoritária de enlouquecer as pessoas para que elas possam servir de bucha de canhão, para que não tenham identidade própria e percam-se na falta de referência, no exílio da reflexão e na falta de acesso à fonte maior de uma vida independente e produtiva, que é o amor. Amor e concentração não serve ao poder que nos pune. É preciso que as pessoas fiquem longe uma das outras, que afundem na depressão, que se dispersem (ou só se concentrem no que interessa aos poderosos). Isso as torna dóceis, além de abrir vasto mercado de consultorias e aconselhamentos. Como não existe música, arte, ao alcance de todos (na TV aberta, nas rádios), o monstro do mal toma conta das mentes, que batem enlouquecidas nas portas dos grandes picaretas. Fonte de enriquecimento, esse massacre precisa ser cortado ao meio pela intervenção do poder público. Como aconteceu quando havia presidente no Brasil. Tudo veio da maravilhosa rádio Nacional, que era pública. Ela reproduzia seu modelo nas rádios de todo o País: artistas contratados, autores brasileiros, soberania cultural. Até hoje se alimentam do osso que restou desse trabalho institucional.

REPETECOS - O que quero destacar aqui é o que Moacir Franco falou sobre a necessidade de autores. Ele se referia aos programas de humor, mas serve para o resto. Tive a oportunidade de escutar a seguinte pérola numa revista semanal: "Por que você quer publicar esta matéria? Ela não saiu ainda na Veja nem na Globo!" Tentei argumentar que era por isso mesmo, éramos concorrentes da Veja, ou não? Fui olhado com muita estranheza. É tudo verdade. Na TV Record, pautei uma matéria sobre lixo tóxico em plena capital. Houve uma grita: "Mas isso não saiu ainda na televisão". Já escaldado, argumentei: "Mas saiu na mídia impressa. Vamos em cima". Pois foram. De repente chega repórter com o brilho nos olhos, depois que nossa matéria foi ao ar: "A Globo nos chupou, a Globo nos chupou". Ela não imaginava que isso pudesse ser possível. A autoria é algo que não faz a ficha cair em muitos lugares. Já trabalhei também em publicidade, que em tese é o lugar onde o autor ganha melhor. Quando chegava a proposta de uma campanha, eu ia direto para a máquina de escrever (sou do tempo do tec-tec). Meu diretor de arte ia para o anuário de publicidade americana. Eu dizia: "Ei, temos a chance de criar!" Ele sorria, como se eu estivesse falando asneira. E não faltam autores no Brasil. O que mais existe hoje é piada de autoria anônima. Quem são os autores? Gente criativa que está fora do mercado, que faz por prazer. Tudo acaba indo para o bucho de meia dúzia bem instalada na mídia, que apenas tem o trabalho de repassar a criação para o ar.

DIVERSIDADE - Tenho visto novos grupos de humor na TV. Todos copiam o Casseta & Planeta. Para quê, meu Deus? Sempre se vestem de mulherzinha e falam em gay. Parece uma obsessão maldita. Nos Estados Unidos existe humor de tudo quanto é tipo. No Saturday Nitght Live, tem apresentador de telejornal fictício, que mata a pau. Existem grandes sarros em cima de pessoas poderosas. Existe sitcom que faz piada sobre família, relacionamentos amorosos, capiras, tudo. Há uma enorme diversidade de autores. Por que não apostamos nos nosso autores? Moacir Franco diz que, em função disso, temos que importar autoria do Japão, Europa, Estados Unidos, o que custa uma nota preta. Ele informa que a Globo tem 115 autores contratados, o que está de bom tamanho. Mas é preciso que haja mais espaço para autores nas outras redes. Os autores precisam viver do seu ofício. Não existe maior prazer profissional do que criar. Gosto, como muita gente, da frase imortal de Nilton Santos: "E ainda nos pagam para fazer isso". É preciso pagar. Há mercado, há espaço. Os autores deveriam se reunir em grupos fortes para fazer pressão. Criar projetos, ir à luta. Isso serve não só para as letrinhas, mas para as imagens, os vídeos. Sei que é difícil. Mas precisamos insistir.

25 de maio de 2004

A CARTA DO PRIMEIRO AMIGO

O melhor e maior jornalista cultural do país, Juarez Fonseca, me escreve comentando meu romance Universo Baldio. Com o seu consentimento, transcrevo abaixo um trecho da carta, que muito me emocionou e dá uma idéia da amizade que temos desde o primeiro dia em que, em 1968, nos conhecemos. Juarez fazia parte do movimento estudantil e foi o primeiro a me informar sobre o que pegava naquela época de grandes transformações. Depois desse momento, foi sempre o primeiro amigo, aquele cara ponta firme que acreditou no poeta e foi o responsável pela segurança que adquiri em relação à minha obra.

NARRATIVA - "Podes achar engraçado, mas enquanto lia teu livro (não me disseste que tinhas um romance!), e te vendo em carne-e-osso o tempo todo, ia me lembrando de mim também. Algumas daquelas histórias eu já sabia, como a da badtrip de ácido em Porto Alegre, que me foi contada, pouco depois do acontecido, pelo Virson Holderbaum com acompanhamento gestual magnífico. Mas me lembrava de mim porque me VIA em muitas daquelas situações, mesmo sem ter estado lá.
E fiquei te admirando e amando mais, meu amigo, porque esta tua autobiografia é gêmea de minhas emoções, e então mais que um amigo agora te sinto como um irmão amigo. O primeiro tempo do livro não me surpreendeu pelas histórias (a trama) mas pelo tom da narrativa de quem se inventa ao se desinventar. Deixas claro, no vertiginoso segundo tempo, que escrevias o livro por imposição de Honório, ou seja, por imposição da história - e de uma história. O passado desovando o presente e o futuro trazendo o passado a cabresto, com o amor, a perplexidade e a gana que estas coisas exigem. Imagino que ao terminar de escrever Universo Baldio deves ter te sentido como o crente em psicanálise que recebeu "alta" com louvor, se me perdoas pela torta comparação. Imagino que deve ter doído bastante também, embora o olhar para trás seja afetuoso - como não poderia deixar de ser, pois se há uma coisa que devemos amar sem alternativas é nosso passado. Apesar de tudo, a nostalgia é um porto seguro. Uma das matérias primas da literatura é a nostalgia. Já não dizia Pessoa que o poeta é um fingidor e finge tão completamente que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente? Um dos melhores livros que li, O Apanhador no Campo de Centeio, é feito do mesmo barro do teu."

URUGUAIANA - "Além do depoimento de geração, adorei teu livro porque também me fascina a história gaúcha e porque tenho uma ligação funda (no meu caso também crítica) com Uruguaiana, com a fronteira, com os platinos. Nos últimos 30 anos estive mais de 30 vezes em Uruguaiana, movido pela Califórnia da Canção. E nunca deixo de vagar pela cidade, de absorver o perfume de umas florzinhas que as árvores das ruas produzem no verão, um perfume que se espalha pelas manhãs e me faz dizer, quando chego: estou de novo em Uruguaiana. Sem falar do Rio Uruguai, da ponte, de Libres, dos correntinos tão iguais a nós em quase tudo. Nunca deixo de ir a Libres comprar vinho, queijo, uns salamitos que só lá tem, azeitonas, galetitas, alpargatas, que trago para casa como um rancho com o cheiro, o gosto e a forma da fronteira.
Mas há algo que devo observar antes de ir-me: em vários momentos o livro revela a disposição de Luís (e do autor, pois o pronome "eu" às vezes se intromete nos relatos da terceira pessoa) em "voltar". Ora para Florianópolis, ora para "o pampa". Aí, pergunto, Nei Duclós: trata-se de uma vontade tua ou é apenas uma mentira literária? Penso naquele poeminha do Mario, de que uma mentira é uma verdade que esqueceu de acontecer, mas também, sei lá de quem, de que uma mentira muitas vezes repetida acaba por tornar-se verdade... Minha vontade é conversar contigo. E sem mais delongas, com desculpas pela piração, o abraço saudoso (de todos os tempos, mas principalmente o de agora) do Juarez ."

CIDADANIA - Pois agora estamos conversados. Aviso aos queridos conterrâneos que Juarez Fonseca é meu candidato para receber o título de Cidadão Uruguaianense. Mais do do que ninguém, ele merece, não só por ser um inventor de amizades, não só por estar, há mais de trinta anos, difundindo, analisando, valorizando a cultura brasileira, como pelo amor que sente pela nossa querida cidade. Juarez é um talento magnífico e seus textos devem urgentemente ser reunidos no formato de livro, para que as novas gerações aprendam a fazer jornalismo cultural e para que os veteranos resgatem o que ficou para trás nesta trajetória terrível e gratificante em que nos metemos nas últimas décadas. E respondo ao Juarez: nunca saí da minha terra, amigo. Meu exílio é pura formalidade. Sempre que abro uma janela, vejo o rio Uruguai.

RETORNO - Assisti ontem na TV Cultura maravilhosa aula do professor Franklin Leopoldo e Silva, sobre fenomenologia e existencialismo. Toda segunda feira, à meia noite e 15 (ou zero hora e 15 minutos de terça) tem aula imperdível no canal da Fundação Padre Anchieta.
2. O professor Mangabeira Unger, que na semana passada defendeu o atual e inaceitável arrocho fiscal, voltou à boa forma na sua coluna obrigatória das terças feiras na Folha: "Uma disputa surpreendente pelo poder - fora dos cálculos dos sabidos, porém dentro da imaginação dos brasileiros - é a centelha que falta. Não faltará se houver cidadãos do Brasil."
3. A China deita e rola, graças à subserviência do governo brasileiro, que pede desculpas pela contaminação da soja (produto maldito que está em baixa no mercado mundial mas continua em alta por aqui, no nosso imenso país que produz esse insumo para comida de porco de país rico, enquanto continua importando trigo). Assim mesmo, o governo chinês veta as empresas que entraram no imbroglio, ou seja, ouve as desculpas, mas desce o pau. Outra coisa são os direitos humanos: somos a favor da anexação de Taiwan, da presença ditadorial no Tibete e das execuções sumárias. E somos também a favor do trabalho escravo na China, já que acreditamos na "constituição" deles. Sem falar na Lucélia Santos, que vai manter a escrita: o Brasil entra com a mulher, e o país estrangeiro - no caso, a China - entra com o homem na produção audiovisual que vai comer no mínimo R$ 7 milhões de dinheiro público via Petrobrás.

24 de maio de 2004

O DIREITO À IMAGEM PÚBLICA

O exemplo mais radical de solidão é alguém na rua falando sozinho. A necessidade de ter correspondência com o Outro faz parte da nossa natureza, e sem essa sintonia inventamos algo ou alguém para ocupar o espaço, o que nem sempre é saudável. Precisamos que nos vejam de fato para que possamos existir. Mas, para variar, esse direito à exposição pública foi desvirtuada em função do alpinismo da fama. Os soldados americanos que posaram para a celebridade empilhando corpos no Iraque fazem parte dessa sinistra distorção.

REPIQUE - Paulo Nogueira me envia de Brasília o texto do Sergio Davila, que saiu na Folha, sobre a possível marmelada em Cannes. Reproduzo alguns trechos: "Dos sete prêmios possíveis, quatro foram para o cinema asiático, ao qual Tarantino é intimamente ligado. Tarantino foi direto: Os melhores filmes do mundo vêm hoje em dia do Japão e da Coréia. Havia ainda uma dúvida extra ligada à escolha: Fahrenheit foi produzido pela Miramax, a mesma produtora dos filmes de Tarantino. Vários relatos davam conta de Harvey Weinstein, um dos proprietários do estúdio, dizendo em festas já no começo da semana passada que o filme seria o grande premiado. Tarantino não fez comentários a esse respeito na entrevista, a primeira vez que o júri se justifica perante a imprensa em 57 anos. Indagados sobre a ausência de prêmio para Diários de Motocicleta, dirigido pelo brasileiro Walter Salles, o segundo filme mais aplaudido pelo público no festival, atrás apenas do próprio Fahrenheit 9/11, os membros do júri riram, e Tarantino respondeu que não iriam comentar caso a caso os filmes não-premiados. Com a insistência, a atriz escocesa Tilda Swinton acabou respondendo: Nós simplesmente não quisemos dar um prêmio ao filme. Disse à Folha Walter Salles, por telefone: Não foi uma surpresa, já que o cinema no qual Tarantino acredita não tem nenhuma intersecção com o cinema que nós fazemos hoje na América Latina. Não tem nada a ver com Diários ou o cinema poético e delicado de Lucrecia Martel La Nina Santa, também não-premiado." Ou seja, Tarantino dá duas. Primeiro, despreza o nosso cinema. Segundo, lança uma sombra sobre o magnífico Michael Moore, que merecia um diretor de Cannes mais competente e não apenas uma fraude como esse sub-cineasno apaixonado pela violência.

ORKUT - Daniduc, sempre up-to-date, me informa sobre a grande nova tendência da rede, que é o Orkut, comunidades virtuais compostas por pessoas que procuram atender essa necessidade básica de que falei acima, de reconhecimento mútuo (eu existo a partir do olhar do Outro)- e não só isso, de curtição mesmo, de encontrar gente pelo mundo afora. Daniduc faz parte de uma dessas comunidades e propôs para o seu grupo um exercício interessante e super-criativo: invenção de short stories com no máximo 1024 caracteres. Tive acesso a algumas Whispered, resounding, voice echoed in my mind....
- Freeeee mee...
What in hell was that?! Looked the cup. "Best consumed before" two years ago. I need to spend more time at home.
-FREE ME!
- What the fuck are you?
- I am a Yogurt Genius! Open the cup and free me!
- Fat chance, asshole. I'll throw you away.
- I'll give you 3 wishes!
Well, that seemed fair to me. I opened the cup. Bad smell. A dude appeared out from thin air.
- Well, I wish a...
- Fat chance, asshole - he showed me the finger and disappeared. Never trust a genius.
I hate empty refrigerators."

TORTURA - Vi hoje um documentário que descreve com detalhes um campo de concentração nazista na Áustria. Passados 50 anos, descobrimos que continuamos na mesma. O sofrimento industrial imposto a grupos considerados sub-humanos é gerado por esse equívoco, a de que a humanidade divide-se pelo chamado "sangue". Os povos são formações culturais e não raciais. Às vezes a raça coincide com a cultura, mas isso é cada vez mais raro. O que me impressionou, entre tantas fotos, foi o sorriso dos torturadores. Eles estavam demonstrando fisicamente a felicidade de pertencerem a uma raça superior. O grande drama é a indiferença. Sabemos, por exemplo, que a China vai entrar com tudo nas ferrovias. Precisa de alimentos para sua grande população e uma forma barata de escoar os grãos (e outras coisas mais), como fizeram os ingleses no século 19 por aqui, é apostar no trem. O poder público brasileiro há décadas abandonou as ferrovias porque precisava (?) aumentar nossa dependência ao petróleo. Agora retoma esse transporte mas só para carga, e não para passageiros. Nós ficamos amontoados em carros, ônibus e aviões. O privilégio de andar de trem fica para a soja transgênica.

RETORNO - Urariano Mota, escritor pernambucano, autor de Corações Futuristas, entre outros livros, fez maravilhosa
resenha sobre Universo Baldio. Numa carta, ele destaca os primeiros capítulos da segunda parte do romance, dizendo que eles sobreviverão a mim. Esse é o reconhecimento que buscamos ao expor nossa arte publicamente. Acertar o coração e a cabeça do Outro é o maior privilégio de uma criatura viva.

23 de maio de 2004

MÃE, VIAJEI PARA CURAR A ASMA

Lembrei de ti, mãe, quando vi neste sábado a obra-prima de Walter Salles, Diários de Motocicleta. Tu que me protegeste quando cruzei o inverno da minha vida na fronteira com a Argentina, sofrendo ataques cíclicos de asma. Mal sabia, mãe, que na mesma época em que eu delirava sem poder respirar alguém tinha cruzado o Amazonas a nado para impor-se aos limites da doença e tornar-se o Che. Foi também por isso que viajei 17 anos depois dessa cruzada de Ernesto e seu amigo Granado, mãe, quando me viste sujo e de mochila na tua porta. Foi para me curar, mãe, do sufoco de todas as fronteiras e por isso me atirei na água do meu destino.

PASSAGEM - Teu filho morreu naquela viagem, mãe, e sabias disso. Sabias e então colocavas a mão no rosto e apoiavas toda a tua imensa nostalgia, tu que adorava ler no inverno, embaixo de cobertores e sobre travesseiros enormes e macios, com teus óculos grossos, tuas duas pintas no rosto, teu olhar longínquo. O que chamam de rito de passagem é no fundo uma viagem à direção à morte. Não suportamos mais a casca e então conseguimos aquele amigo mais louco que nós, enchemos a motocicleta com nossas tralhas e partimos - só que partimos de caminhão, porque só os caminhões param na estrada para recolher os vagabundos, os poetas, os visionários, os meninos que querem crescer logo e por isso atiram-se à sua irresponsabilidade com a gana dos profetas. E viajamos rumo ao Rio, rumo ao Brasil. Lá, carregávamos como um duro fardo nossos grossos coturnos de milico (idéia do Marco Celso, esse louco), nossas blusas de lã, nossas campeiras, para ver pela primeira vez as montanhas azuis na face serena daquele entalhador do Nordeste que nos acolheu em Ipanema, em plena Farme de Amoedo, e que se chamava Zé Barbosa. Fomos em direção ao verão, pois era julho de 1969 e o frio estava de matar. Com o Che e seu amigo Granado não foi diferente. Eles saíram de suas cascas, da sua civilizada Buenos Aires, assim como saímos da Porto Alegre universitária que tinha explodido em 68. Não queríamos mais a faculdade, mãe, porque havia uma vida intensa lá fora e a gente precisava encontrar a vida que nos era negada pelo AI-5. Deixamos a faculdade, e quem trabalhava também deixou o emprego para trás. Chegamos sempre ao anoitecer, diante da luz sinistra das cidades e encontramos o drama do Brasil.

MILAGRE - Há algo de milagroso desse filme, mãe, que não ganhou nenhum prêmio em Cannes porque se opõe a toda a frescurada cinematográfica sintetizada pela presença desse imbecil do Quentin Tarantino na presidência do júri. É um filme sobre a América Latina onde não aparece, em nenhum momento, o Brasil. O Brasil é quem se debruça sobre essa América hispânica dividida, que não teve a nossa sorte de ficar unida. Somos, o país-continente, o sonho de todos esses revolucionários de língua espanhola na América, que queriam uma só nação e conseguiram uma infinidade de repúblicas. Esse filme é um presente do cinema brasileiro, mãe, uma homenagem aos nossos irmãos de território. Um abraço forte nos argentinos, que tanto implicamos mas que jamais deixaremos de amá-los, e por meio deles, abraçamos peruanos, chilenos, bolivianos, colombianos, venezuelanos. Basta ver em cena esses dois atores maravilhosos, Gael Bernal e Rodrigo de la Serna, contracenando com dezenas de talentos inigualáveis, mulheres, crianças, velhos, todos negros, mestiços, cheios de cicatrizes, belíssimos. O rosto de Granado, o verdadeiro, no final do filme, é ao desenho desta terra ancestral e sofrida. O Brasil se debruça sobre seus irmãos de fala espanhola e diz: somos iguais, hermanitos, somos vocês. Lembro de ti, mãe, reclamando dos tangos que tocavam em casa, pois lembravam tua juventude e não querias sofrer com as lembranças. Lembro quando punhas as mãos no ventre, na hora do almoço , e respondia em espanhol a pergunta que te faziam sobre o motivo de colocar tantos filhos no mundo. "Los saqué de acá" , dizias. Tirei todos daqui. Tiraste da tua vontade de povoar o mundo com a tua bondade.

SALVAÇÃO - Tu me pegando pela mão calçada afora, perguntando para as vizinhas se haveria um milagre para minha asma, já que todas os remédios que tinhas à disposição no Centro de Saúde, onde trabalhavas, não me curavam. Lembro daquela senhora sua amiga, que me trouxe um remédio espírita, à base de cachaça, e que eu só podia tomar uma colher de sopa por dia. Não sei se aquele remédio tão gostoso ajudou, mãe, só sei que ao conhecer o mar colocava areia molhada no peito para sarar. Mas sarei foi naquela viagem, mãe. A viagem que me jogou na verdade, na terra da poesia, a que componho para berrar em praça pública e que por tantos anos está assim, meio escondida. Mas basta eu lembrar do teu sorriso, mãe, do teu elogio diante de um poema feito pelo menino, para eu acreditar novamente que não nascemos em vão. Do outro lado do rio, está a nossa salvação. Temos que atravessar o rio a nado, sem barco perto, com as pessoas gritando para que a gente chegue salvo, como acontece naquela cena do filme do Walter Salles, mãe, esse cara que veio para nos mergulhar na arte verdadeira, a que chega para ficar. Digam o que disserem os resenhistas sem alma, de que o filme é isto ou aquilo. O filme é maravilhoso mãe. Tenho certeza que tu ias gostar.

RETORNO - 1. O escritor Urariano Mota mergulha em Universo Baldio e nos revela sua visão sobre um romance ainda oculto, apesar das fanfarras do lançamento, da caprichada edição e da longa estrada percorrida pelo autor.Urariano está espalhando esta sua magnífica resenha por vários sites, que já pode ser lida no endereço: http://www.lainsignia.org/2004/mayo/cul_055.htm. Basta clicar aqui.
2. Não gostei da falta de premiação ao filme do Walter Salles (pelo menos algum deveria ganhar). Mas vibrei com a vitória do Michael Moore. Agora Bush vai-se embora. Vai mesmo e vai tarde.E malho sempre o Tarantino, mesmo que o vencedor tenha sido o grande Mike. Malho mesmo, malho sempre. Diarios de Motocicleta é um filme anti-star-system, ou seja, anti-Tarantino, que diz que cinema só pode existir se houver estrelas. Outra coisa: parece que a cena do rio não foi "real", ou seja, não estava nos diários do Che. Pois para mim é. Agora está nos diários do Che.

21 de maio de 2004

ANJOS NA AMERICA

A premiada série da HBO Angels in America impressiona pelo impacto visual, a performance dos atores, a crueza e qualidade dos diálogos, a intensidade do desespero, a abordagem de temas aterradores e a aposta na esperança em pleno Apocalipse. É o que a arte americana tem a nos oferecer. Aqui, fomos submetidos ontem a algo bem oposto: a fala de Duda Mendonça à nação, na véspera da viagem de seu subordinado, o presidente, ao país que ajudou a sucatear a indústria brasileira e que é também uma ditadura.

DELÍRIO - A palavra é o delírio seminal. A partir dela, os anjos da América mergulham no horror, na coma dos condenados. A peça de Tony Kushner, que virou mini-série dirigida por Mike Nichols, bate na civilização das aparências, desmascarada pela peste. Sem nada a perder, os que vão morrer passam por três processos: ao descobrirem a condenação, reagem com ironia; ao se convencerem da morte certa, entram em parafuso; ao cruzarem o umbral da agonia, se resignam; e ao enfrentarem o tribunal da passagem para a eternidade, cobram. O maior ator do mundo, Al Pacino, e o magnífico Justin Kirk, festejado ator de teatro, estão magistrais em cada uma dessas fases. Ao redor dos moribundos, brilha a estrela maior, Meryl Streep, o talento e a contundência de Jefrey Wright e mesmo Emma Thompson, sempre tão previsível, neste trabalho também participa da galeria de grandes interpretações. Trata-se de uma arte que não foge da raia, que enfrenta seus demônios sem pedir misericórdia, apostando alto na humanidade dos seus personagens, colocando para fora o que parecia estar oculto. Uma lição de coragem para nós, brasileiros, que sempre escorregamos pela tangente quando se trata de pegar o touro a unha. O que temos é uma América hoje em guerra frontal contra o presidente que a levou para o morticínio, com toda a sociedade mobilizada para impedir as reeleição do maldito. Aqui, a publicidade se encarrega de pintar de cor-de-rosa a horrenda realidade que nos circunda, como se estivéssemos "em crescimento" e como se a política de arrocho da economia fosse, no fundo, benéfica. Logo depois do pronunciamento de Lula, os telejornais pipocavam com notícias sobre o aumento do desemprego e a guerra civil em que estamos metidos até o pescoço, enquanto brincamos de celebridades.

CHINA - A China é um país que cresce graças ao trabalho escravo e à falta de liberdade. É a maior ditadura do mundo, que está sendo festejada pelo governo brasileiro como se fosse a salvação da nossa vida. A indústria chinesa, que em geral falsifica tudo, inunda o mundo com quinquilharias graças a uma triangulação poderosa: seus produtos são comercializados aqui via Estados Unidos, que assim ganha na intermediação. Nossa indústria, cega como ela só, deixou-se sucatear pelas porcarias chinesas, desde a área dos têxteis (onde os chineses se destacam pela falta de qualidade) até a de guarda-chuvas. Todo mundo tem um guarda-chuva chinês quebrado, torto, imprestável. Eles dominam o mercado via economia informal. Há uns cinco anos, trabalhando na Fiesp, escrevi um discurso para um diretor da casa pronunciar diante da ministra de comércio da China. A autoridade ficou furiosa com o que coloquei lá. Era assim que a indústria brasileira tratava esse tipo de parceiro, que agora virou prioridade do fracassado governo Lula.

CANNES - Tudo indica que Walter Salles leva a Palma de Ouro. Se não levar, pelo menos fica a nossa torcida. O cinema, a Internet e os livros assumiram a vanguarda da cultura, enquanto a música e a mídia ficaram a reboque, transformaram-se em veículos da direita internacional. A indústria dos livros e a do cinema florescem, mas a mídia e a música (esta, pressionada pela tecnologia da rede) ficam para trás. Mas tenho cds na mira: o de João Gilberto em Tóquio e o dos filhos de Caymi em homenagem ao pai. Se Dorival Caymi chorou ao escutar esse cd, se os japoneses ficaram 25 minutos aplaudindo João e se a platéia em Cannes bateu palmas por 15 minutos para Walter Salles, é sinal que precisamos saber do que se trata, o que há nessas obras. Há esperança no mundo. Há vida na arte. Há grandeza na cultura. E o cinema chinês - que, claro, é dissidente, se opõe à ditadura - é obrigatório.

RETORNO - O poeta irmão Marco Celso Viola volta à boa forma e está agitando um lance poderoso para o segundo semestre. Fala de duas criaturas magníficas: o poeta Oliveira Silveira e o líder José Loguércio. Celso procura costurar o que ficou solto nestas últimas décadas, quando, depois de participarmos de um agito cultural que deixou marcas, nos recolhemos aos nossos cantos. Essa maré pode mudar.

20 de maio de 2004

EXCLUSÃO AGORA É FASHION

A moda é o império da mesmice (por que as modelos trançam as pernas ostensivamente no caminhar artificial da passarela? para que os ossos, ao sacudirem, imitem o balanço das carnes que já não mais existem?). Anunciam que tem griffe fazendo catálogo em áreas detonadas de Sampa, e a Globo encontra talento fashion em catadoras de lixo, o que é o cúmulo da bizarrice, pois consolida a ascensão social pela via lotérica e debocha da violência da economia, que aumenta a grana dos ricos e transforma a população numa soma de mendigos.

NORMAL - Ao divulgar a pesquisa do IBGE que descobre o óbvio - a de que estamos fritos e não conseguimos pagar nossas contas - a imprensa não consegue citar direito nem uma frase do Millor Fernandes. O certo é "cada vez sobra mais mês no fim do dinheiro". Além de citarem errado, esquecem de lembrar a fonte (o que já é "normal"). Notaram como reagem os culpados quando flagrados em alguma falcatrua? O que você achou dessa denúncia de que você desviou um bilhão dos cofres públicos? Normal, responde o acusado. Por que você xingou a repórter? Normal, responde o atleta. O que aconteceu ontem que você matou ciclana? Normal, diz o assassino. Virou normal também xingar o povo de tudo o que é tipo de palavrão. Quem inventou a moda foi o Elio Gaspari no seu jornal exclusivo, concentrado na Folha dos domingos. Choldra e patuléia são suas definições favoritas para se referir ao povo brasileiro. O pior é que a moda pegou. Todos viraram reprodutores desse tipo de desprezo, achando que se pode falar em choldra e patuléia a torto e direito. Já o pequeno poupador é chamado de viúva. Ninguém reclama, todo mundo acha o máximo e sai repetindo. Virou moda porque parece que o autor do texto é simpático ao povo, está defendendo-o, colocando-o sob o palavrão a partir de um falso álibi, de que o desprezo existe na realidade e não no comentário, pois é a chamada elite brasileira que acha o povo uma sub-coisa. Seria uma denúncia, mas não é. O jornalista, no caso, assume a exclusão dando uma de gostoso, ou seja, transformando-se em algo mais importante do que a elite. Ele posa de onisciente, um cérebro acima de todos os grupos sociais. O que faz de fato é projetar a própria condição de uma classe social que se destaca excluindo as outras.

COLUNISTAS - Ninguém tem coragem de peitar os poderosos da mídia. Todo mundo evita falar mal dos colunistas, das griffes da comunicação. Para mim, a maioria é um bando. Vocês viram o tal Contardo Calligaris definindo as fotos da tortura do Iraque como expressão erótica sadomasoquista? Esquece-se o luminar que sexo é consentimento. Não existe erotismo fora do império do sim. O que ele acha agora das fotos da sua "dominatrix" sorridente ao lado de um prisioneiro assassinado na prisão? Também não passa de sadomasoquismo? Hoje o referido colunista explica a fonte do autoritarismo de Lula. Para ele, os que são excluídos simbolicamente procuram impor-se na marra. "Esse mecanismo explica porque, quando os deserdados ou seus representantes chegam ao poder, eles sucumbem facilmente a tentações autoritárias", diz. Ele acha que a fonte desse autoritarismo é a noção de que o poder não está sendo reconhecido. É o contrário: o autoritarismo é fruto do sistema em que estamos, da ditadura civil. O poder discricionário é exercido porque isso é garantido pelo silêncio da mídia, pelo poder das medidas provisórias e pelo arrocho econômico, que inventa as dívidas de todos. Houve autoritarismo em Collor, que seqüestrou o dinheiro em caixa da nação, desde a poupança até a conta corrente. Houve autoritarismo em FHC, que entregou de bandeja o patrimônio público enquanto encheu-se de honrarias e hoje posa de cidadão do mundo. Houve autoritarismo do Sarney com seu famigerado Plano Cruzado, que destruiu a nação. Houve autoritarismo em Itamar quando inventou a moeda falsa, o Real (que "valia" um dólar, lembram-se?) e impingiu-nos seu ministrinho da Fazenda, o FHC, ato do qual arrependeu-se amargamente. Ou seja, todos os presidentes civis desta nova fase da República Velha fazem parte do mesmo equívoco. Por isso Lula é autoritário, porque o regime assim exige, não porque sente-se ainda um excluído ( o que provaria a certeza de que esse "povinho" não sabem mesmo se governar). Lula é a expressão dessa falsa democracia que nos pune.

CONVITE - E comporte-se direito, senão você vira "leitor desavisado", aquele que é informado com expressões do tipo "diga-se de passagem"(de passagem porque você é um desinformado que precisa que a mídia lhe ponha comida na boca, mesmo que isso cause engulhos aos jornalistas). "Concentre-se o leitor" diz hoje no Estadão o antropólogo Roberto da Matta. Ou seja, não vá ler de maneira superficial, pense. "Convite à reflexão" é a a ordem mais usada para esse tipo de situação, como se refletir dependesse de convite. Você não vai conseguir pagar as contas este mês? Quem manda não saber refletir. Você precisa de convite para começar a pensar, já que você é incapaz de tomar a iniciativa de raciocinar. Vamos, o que está esperando? Vai ficar "no sofá", é? Vai ficar fazendo parte da choldra, da patuléia? Assim é que é. Pois é com você que estão se divertindo. Nós somos o play-ground dessa canalha.

19 de maio de 2004

OS MANDAMENTOS DA PAZ

Não coloque o destino das pessoas em tuas mãos, que elas se voltarão contra ti. Não aguarde reconhecimento, porque a espera pode te consumir. Nem cobre o bem que fazes aos outros, pois lembrá-los será o mal. Não fuja da chance que se abre à tua porta, sob pena de te perderes para sempre. Nem deixe a oportunidade se transformar num fardo, senão ela te derrubará. Não demita nenhuma palavra do teu convívio. Não suporte nenhuma escravidão, por mais necessária que possa parecer.

O MESTRE - Livro está vendendo ou valendo milhões, por isso chama a atenção do crime. Quadrilhas roubam preciosidades dos acervos, há um sistema de receptação dessas raridades, e também percorre a senda da contravenção (moral, pelo menos) o tratamento que se dá ao produto em feiras que destacam os palhaços e as pipocas em vez dos autores. Para enfrentar essa situação, é preciso colocar em pauta a importância do mestre leitor, aquele farol que surge na vida das pessoas e indica o que precisa ser lido urgentemente. Esse humanismo, centrado na vida de alguém que deixou-se abater pela sabedoria contida nos livros e dedica sua vida para disseminar conteúdos esquecidos, parece ter desaparecido. Lembro de um professor do curso de jornalismo da Ufrgs lendo para toda a classe o Fernando Pessoa. Era aquele poema do Jesus Cristo que tinha descido à terra. O professor era devoto de Alberto Caieiro e seu nome sumiu da minha memória. Foi ele também que me introduziu nas teorias da linguagem, no universo Saussurre e outras necessidades teóricas. O mestre é um inventor de autores, já que escrever é o segundo passo da leitura. Mas parece que todo esse caminho nem é levado em consideração quando há intensa dedicação ao que pode vender imediatamente, produtos datados de consumo rápido, enquanto as edições primorosas de autores fundamentais do passado apodrecem nos museus e acabam tendo o destino das peças sacras das igrejas, indo para colecionadores, fazendo parte desse mercado negro em que se transformou o Brasil. Tudo vira crime no país sem dono.

MAIS MANDAMENTOS - Veja as pessoas como elas são, criaturas de alma imortal enredadas na precariedade do tempo. Pense sempre no momento em que não estiveres mais aqui, que tudo se revelará. Jamais dependa da iniciativa alheia, porque o único pesadelo que conta é o Outro, e tu és esse cara. Nunca evite um encontro, pois o encontro é o convite supremo, único, que some para não mais voltar. Não te coloque como parâmetro de nada - evite, portanto, a expressão "eu, por exemplo". Nunca pose em frente às câmaras dando carinho para crianças carentes. Nunca deixe de dizer o que é preciso. Mas lembre: o que tens vontade de dizer nem sempre é o que é preciso dizer. Pergunte antes de dissertar. Não dê conselhos quando lhe pedem, só quando a sabedoria te fizer uma visita. Pense, antes de falar, na repercussão das tuas palavras. E fale sem pensar que um anjo te guiará. Não se esconda quando te chamam. Não apareça quando fores evitado. Não force o abraço. Não roube o beijo. Olhe para trás para enxergar o futuro. Preveja o vôo, fareje a tempestade. Faça poesia enquanto é tempo. Escreva tuas memórias, que elas permanecerão, como as montanhas. Teu verbo, quando verdadeiro, tem a permanência das pedras. E consulte sempre teu coração. Ele pode estar vazio e sonhando com flores enquanto pensas na guerra.

RETORNO - O magnífico site Consciencia, que tem em média 2,5 mil visitantes/dia, está de cara nova. Miguel Duclós criou o site em 1997 e desde essa época mantém atualizado um espaço que está desempenhando papel fundamental na disseminação da filosofia em língua portuguesa e atraindo novos talentos para essa atividade do espírito humano, além de tornar-se uma referência para professores e alunos dentro e fora do Brasil. Anuncia Miguel: "Fiz uma mudança na estrutura de links do site. No lugar da tradicional divisão por períodos da filosofia, temos agora as seguintes seções:

- Textos Introdutórios - São textos curtos, geralmente elencando os aspectos mais relevantes da obra do autor junto com alguns dados biográficos. Foram feitos para aquelas pessoas que querem saber quem foi o filósofo. A maior parte dos textos dessa seção data da estréia do site, em 1997, quando eu estudava filosofia através de Histórias da Filosofia. O URL desta seção é
http://consciencia.org/introdutorios.shtml

- Trabalhos Acadêmicos e Artigos - São textos feitos no nível superior por pessoas de diferentes universidades do Brasil e de Portugal. Esta seção envolve desde trabalhos simples para matérias até monografias e dissertações de mestrado, além de ensaios e artigos de novos autores. Trazem uma abordagem mais detalhada da obra dos filósofos, analisando algum ponto específico. Além do tema, é possível também visualizar pelo autor do artigo. O URL desta seção é http://consciencia.org/artigos.shtml

- Biblioteca - São textos on-line de autores clássicos ou consagrados, geralmente já publicado em livros, cujo valor é universal. Além do trabalho de copista, existem aqui traduções inéditas publicadas apenas no site. As obras servem para a referência e consulta de nossos estudantes, como uma biblioteca virtual. Visite o acervo em
http://consciencia.org/biblioteca.shtml

18 de maio de 2004

O PAÍS QUE VEIO DO FRIO

O império da palavra tropical é algo avesso a nós, que fomos criados no inverno. Agora que as baixas temperaturas assomam e nos envolvem em gripes, pulôvers, cobertores e campeiras (essas só para iniciados) é bom lembrar que o Brasil, não sendo para amadores, é um demolidor de frases feitas, de idéias prontas e de marcas registradas totalizadoras.

QUEBRANDO GEADA - Às sete da manhã, o sargento do exército que era nosso professor de Educação Física ( e nosso vizinho na rua Bento Martins, em frente ao Colégio Santana), nos administrava 50 minutos de ginástica sueca, numa aula que se iniciava com várias corridas em volta do capo de futebol e terminava com uma pelada organizada entre os sem-camisa e os com-camisa. Ficávamos uma semana com o corpo dolorido, quando chegava a vez de nova sessão de torturas. Os pés ficavam roxos, assim como as orelhas, alvos de reguadas aplicadas pelo fio cortante de suas madeiras, que se transformavam em instrumentos de punição nas mãos dos mais velhos. Usávamos as campeiras, que eram casacos grossos de lãs, que agüentavam de tudo, inclusive chuva pesada. Por baixo delas, os pulôvers, ou blusas de lã como chamaram depois (homem jamais usava blusa), que podiam ser um, dois e até três. Os mais poderosos eram tricotados por minha mãe, que fazia mangas longuíssimas, pois espichávamos (eu mais do que os outros) em poucos meses e no fim do inverno, se ela não tivesse tomado essa providência, teríamos cotovelos à mostra, tiritando. Embaixo desse monte de roupa, usávamos uma camisa e por baixo desta, uma camiseta de manga comprida. Nas pernas, por baixo de tudo os cuecões, que nos abrigavam junto com as calças, de lã ou de veludo cotelê, comprado na Argentina. Gorros que cobriam as orelhas, capuzes gigantescos para nos defender da chuva, galochas para os aguaceiros intermináveis, mais ainda os guarda-chuvas. Mas se abrisse sol pondo fim à nevasca, jogávamos tudo para o alto e íamos jogar futebol. Ou melhor, os outros iam, pois como eu era asmático, como o Che, ficava de resguardo, olhando pela janela a gurizada chutando bola de meia, cadernos dos colegas, água de sargeta e tudo o mais. A infância era transgressão permanente e ai dos fracos. Sorte que eu tinha sempre para me defender (ou ?tirar a cara por mim?, como se dizia), meu irmão Luiz Carlos, brigador de primeiro time, que jamais chegava em casa sem alguma cicatriz de guerra, uniformes de colégio aos pandarecos. Jamais, não. Mas acontecia seguido.

TRIBUTAÇÃO - No fundo todos dizem a mesma coisa (socorro!), como diria Millor Fernades numa antiga charge. Dizem: tributação. Mangabeira Unger, que tanto elogiei aqui, num dos seus planos mirabolantes de fabricar um novo país (com sua cabeça de interventor alienígena) justificou o arrocho fiscal atual, que está enchendo as burras do governo com grana extraída do suor de parte da população que ainda consegue trabalhar. Para mim, deveríamos erradicar todos os impostos. Por que temos que sustentar o coronelato civil e suas mordomias? Quando sofre uma empresa para, via impostos, financiar um nababo na viagem de graça de Brasília para seu grotão? Erradicando os impostos, todo o dinheiro produzido pelo sistema produtivo circularia livremente no país. O governo teria de usar uma outra moeda, dinheiro público, que seria usado para circular em suas próprias esferas, ou seja, os três poderes, seus funcionários, e as empreiteiras. Uma moeda jamais contaminaria a outra. A dívida pública iria desaparecer. Proibindo a paridade com o dólar, ou seja, sem pagar pau para papel pintado estrangeiro, consolidaríamos nossa moeda produtiva sem dar a mínima para quem quer que fosse. Quer negociar? Quer comprar hulha, soja, minério, o que for, nosso? Ok. Quer nos vender algo: pagamos com nosso moeda e não com dólar. O dólar que vá cantar lá na pátria da tortura. A moeda do governo financiaria habitação, saúde, transportes, toda a infra-estrutura necessária para o país andar. Como não teria conversabilidade para a moeda produtiva e provocaria gargalhadas no primeiro mundo, jamais um corrupto poderia depositá-la na Suíça, Cayman ou Seychelles. Os funcionários públicos e aposentados receberiam a moeda pública e com ela pagariam suas despesas, que voltaria toda para o governo. Assim, o próprio sistema se encarregaria de manter enxuto o meio circulante governamental. E, do outro lado, livre da trolha governamental e do peso desse sócio indigesto, o governo, a moeda produtiva se auto-regularia, pois por natureza (erradicada da esfera dos poderes) seria um montante muito menor e mais ágil. Assim, não haveria inflação, ninguém pagaria imposto e os americanos e europeus que fossem plantar batatas no meio dos tornados e da neve, que é o que existe naquela terra horrenda deles.

PEDRAS NO CAMINHO DA FUGA

Recebi na ilha mais uma visita ilustre, a de Virson Holderbaum, amigo de longuíssima data, que na aprazível praia do Campeche curte sua merecida aposentadoria, depois de uma vida de muitas lutas, onde despontam histórias desse heroísmo contido e maravilhoso da nossa geração, que inclui uma perigosa viagem a Buenos Aires em plena ditadura nos anos 70, quando ocupou-se de uma missão muito especial junto a exilados brasileiros.

AMETISTAS - Virson está tentado a escrever sua história, o que nos promete uma saga magnífica. Mas, como ele participa alegremente dessa tradição oral do Rio Grande, me adiantou alguns detalhes e lembrou inúmeros acontecimentos da sua vida, num sábado regado a mate sob um céu azul que só Floripa sabe fazer. Ele é filho de mãe italiana e pai alemão. Portanto, não há alguém mais brasileiro. O pai extraía pedras semi-preciosas na serra gaúcha, atividade que seu irmão mais velho, Moacir, herdou e desenvolvia futucando a terra em busca do grande veio. Pois esse dia apareceu e nosso amigo, que foi para a serra cuidar das vendas das pedras, encheu-se de grana. Fantasiado de turista, em pleno ano de 74, foi-se para a Argentina levar documentos a um amigo que tinha escapado, sem nada nos bolsos, dos militares do golpe do Chile de 73. Em Buenos Aires, colocou a mais colorida das camisas, que encimava uma calça branca. Detalhe: era época de carnaval. Os argentinos urravam: "Brasileño maricón!" Virson nem aí. Detentor do mais famoso ar blasé das plagas sulistas, saiu-se a contento da sua empreitada. A paranóia dominava o quartel onde ficavam os exilados, mas Virson entrou no ninho da coruja muito bem recomendado, no papel de pombo correio com grande coragem e o travo doce da aventura em sua boca. Voltou de trem, pelo meio do pampa, rodeado de índios, tendo aportado enfim em Paso de Los Libres e dali para Uruguaiana. Arriscou sua vida. Ajudou a salvar seu amigo - hoje escritor famoso - e nada pediu em troca. Dias depois que os documentos foram entregues, a Europa recebeu os exilados e um mês mais tarde, caiu o governo eleito de Isabelita. A ditadura desceu a lenha, mas o exílio não era mais uma armadilha. O amigo já estava a salvo, do outro lado do mar.

DEFINIÇÃO - Se existe uma expressão para defini-lo, um homem de bem é sem dúvida a mais adequada. Como nasceu numa terra muito difícil, de pais muito rigorosos, e passou a pior fase do Brasil dos 15 aos 40 anos, Virson tem uma sólida autocrítica e nem sempre enxerga o quanto projeta de grandeza. Mas se existe um cidadão brasileiro que merece ser reconhecido, este é Virson Holderbaum, um dos melhores contadores de histórias que eu conheço e que fez um paralelo entre a viagem de Che no filme Diários de Motocicleta e a nossa (junto com Marco Celso Viola, que me envia sua obra-prima, o livro Poemas para ler em voz alta) viagem para o Rio de Janeiro, de caminhão, em 1969. Somos desse tempo, em que jamais poderíamos nos conformar com as correntes dos algozes.

SAMPA - Volto a São Paulo para acertar algumas coisas, enquanto minha caixa postal explode de mensagens. Passei muito tempo dependendo de cyber café na ilha e isso complica um pouco. Aos poucos vou tomando pé, mas agora minha vida é essa: por qualquer coisa, parto novamente. Estou em movimento. O Brasil é grande demais para ficar parado.

14 de maio de 2004

VISITA AO PLANETA TERRA

Traços de nuvens um pouco roxas, montanhas verdes, mar calmo apesar do frio, ar por onde entra a memória, de tão puro. Quando foi que perdemos a pista daquele território que o caos urbano engoliu?

PAISAGENS - Vejo daqui o mar. Onde estava eu este tempo todo, longe da última paisagem sem dono, o gigantesco mar que nos abraça, fonte da poesia que sempre nos escapa quando estamos longe? Vejo daqui o céu. Existem estrelas acima do Brasil, lua de dia, calma entre as pessoas, pássaros diferentes de pardais, vôos rasantes, cães tranqüilos. Você passa por um lugar, parece que nada acontece nele. Chega mais perto e vê: descortina-se um mundo impressionante. Todos estão lá, fazendo mil coisas e você, que passava ao largo, nem enxerga. O bom do Brasil é a largueza do seu terreno. O planeta é infinito, nós é que o tornamos limitado com nossa neura. O país é outro e ainda existe. Você pisa na areia limpa e esquece o que aprontam no outro lado do mar. Por que me envolver com tantas coisas que nada me dizem respeito? À tarde, o silêncio é tão profundo que chega a ser inverossímel. Você roça a alma no chão de um tempo que ainda está aqui, descansa até o osso, recupera-se da loucura. Lembro os quintais da minha infância. Eram inúmeros, todos reunidos num só. Num quintal de praia, aos nove anos, o rio Tramandaí oferecia botos com corcovas à mostra, em movimento. Num outro, caixotes de madeira eram carruagens. Um revólver de madeira estava escondido junto com uma pedra muito fina, de todas as cores. Ainda estará lá esse tesouro? Será que encontraram, taparam aquele lugar onde escondi meu coração de menino?

PALMAS - Alguém bate palmas no quintal. Fazíamos teatro, com cortina que eram colchas, todos fantasiados de palhaços, a derrubar bancos de madeira, a fazer caratonhas para a platéia familiar, que gargalhava. Dois cachorros perdigueiros e um policial. Tomávamos café às quatro e meia da tarde, junto com mil vizinhos. Algazarra. Alegria. Profundo amor por aquela vida que resgato agora, diante do infinito mar. Paisagem do litoral, onde o Brasil começa e de onde jamais devemos nos afastar demais. Aprendemos aqui os passos miúdos e profundos do amor. Para onde me levam esses passos, palavras que jogo na rede para pousar no coração de quem sabe do que se trata? É o Brasil, situado no planeta Terra. O único lugar do mundo onde pode haver felicidade. Longe da amargura que tomou conta de nós, ou de mim, que se esvai finalmente depois de tanta embate. Decido chegar perto da vitória que me carregou para longe, onde descobri o século, o futuro, a eternidade, palavras que nada valem diante de um pássaro equilibrado num fio. Parece piegas, e é. Mas nosso corpo agradece, caindo como uma pluma no travesseiro morno da imensidão do País. Quem somos nós a não ser criaturas de alma imortal, a roçar a superfície do universo como se estivéssemos brincando de esconder. Um, dois, três, te peguei. Pague a prenda: me diga um olá, acene do outro lado da rua, me convide para um passeio. Do céu pinga a maravilha de estar vivo.

RETORNO - Moacir Japiassu elogia, na sua coluna no Comunique-se, a perfeição das frases de Universo Baldio. Vindo de um mestre, é mais do que um elogio, é uma condecoração.

13 de maio de 2004

O FLAGRANTE E O RETROCESSO

Flagrado na sua verdadeira função - o de testa de ferro da ditadura civil - Lula tenta se mexer e fala em liberar verba para estradas, entre outras ações óbvias que demoram. No outro lado da corda, a alegria tucana com a candidatura Serra demonstra o quanto somos atrasados politicamente, já que a desgraça do país é motivo de celebração. A proposta deveria ser: remuneração zero para todos os cargos políticos.

PERSONAGEM - Sob o título de "É duro ser personagem", o jornalista Virson Holderbaum me envia a seguinte mensagem: "Nei. Li Universo Baldio correndo, com a emoção aos pulos, acho que li em duas ou três horas. Não é mole ser personagem de livro. E de uma história de mais de trinta anos que ainda continua. Pura emoção. Mas me acalmei e parti pra segunda leitura, agora mais devagar, me demorando nos detalhes, nas pequenas lembranças, nas tiradas. Universo Baldio não é só resgate do que parecia perdido, nos repõe em movimento, reacende, reativa conexões, mexe com a paralisia, com todos nós, sepultados pela rotina dos convencionalismos. E que mexida maior do que ser ver personagem de um livro que, desconfio, inaugura uma nova maneira de escrever sobre si e os outros, uma espécie de "nouveau roman" autobiográfico, sem falsas contemplações com nostalgias e velhos tempos. Velhos e ainda jovens, e ainda dando porrada na porta das indiferenças. P.S.: O livro atualmente tá emprestado, estou esperando a devolução para uma releitura na segunda parte. Já falei pra galera: vão comprar! Um abração. Virson."

EXPULSÃO - Nos comentários - agradeço a tantos que enviaram sua opinião - vejo que, primeiro, ninguém fala nada sobre o que eu chamo de ditadura civil, de que estamos navegando desde Sarney no vasto engano de uma falsa democracia. Segundo, que se fala em gesto de soberania na expulsão do americano (casado com brasileira). Ditadura civil será o tema de um artigo que vou escrever para uma revista cultural virtual alemã, que tem um editor muito interessado no que disse aqui no blog sobre o assunto. Não existe soberania num país sem moeda e que está totalmente encarregado de pagar os juros da dívida externa. Não é censurando a imprensa que vai se recuperar a soberania. Acho muito mais grave colocar mulatas rebolando num evento brasileiro no exterior para nos identificar do que suportar as bobagens da matéria do NYT. Outra idéia é que Lula teria o direito de beber (se for verdade o que diz a reportagem, o que não foi apurado) o que quiser. Não poderia. É presidente. Foi eleito apra resolver, não para festejar. Deveria ter medo de aparentar tanta felicidade, enquanto o país afunda nos seus braços. O artigo de Brizola hoje nos jornais mata a pau sobre o evento NYT. É esclarecedor. E os de Mangabeira Unger, todas as terças na Folha, aprofunda a necessária retomada do trabalhismo, que seria a solução para o imbroglio onde nos metemos. Desde que o PDT deixe de apostar em pessoas erradas e acredite nos seus verdadeiros quadros.

RETORNO - Moacir Japiassu escreve na sua festejada coluna no Comunique-se: "Depois de devolvido ao convívio social, meu secretário atracou-se com outro lançamento da Bienal, este da Editora W11/Francis: Universo Baldio, primeiro romance do festejado poeta Nei Duclós. Quem sofreu desencantos e perseguições com o golpe de 1964 e esvaiu um pedaço da juventude em angustioso fumacê, certamente se reencontrará naquelas páginas recheadas de versos, tanta é a perfeição das frases."

12 de maio de 2004

A DITADURA MOSTRA A CARA

A expulsão do repórter do New York Times do Brasil desmascara o governo Lula, que assume a caratonha da ditadura civil, que vigora atualmente graças às medidas provisórias, ao arrocho da política econômica, à imobilização da mídia, ao sucateamento dos direitos trabalhistas e ao poder ilimitado do coronelato dos grotões, os mesmos que usam escravos num país onde a falta de oportunidades irradia irresistível destaque para a possibilidade de ascensão social via loteria, mais uma ilusão da qual se beneficiam poderosos do poder legal e criminalizado.

RARO EMPREGO - O cinismo com que a Rede Globo está mapeando os nichos de emprego no Brasil é de estarrecer. Um dos locais onde sobra emprego é em Uberlândia, notória pela presença de monopólios atacadistas. Outra esperança são os lugares de muita soja, produto subsidiado desde seu início, na época da ditadura militar-civil, e que ganha status de coisa fina num país que não planta trigo e precisa importar a matéria-prima da, digamos, Argentina. Mais um nicho são os cargos públicos federais, com ênfase para o Banco Central, que pode pagar até dez mil reais para um funcionário. Pudera! Para ser o que é, um instrumento da exclusão financeira da população, paga-se muito bem. Ou seja, nos locais onde há monopólio ou subsídio do governo, tem emprego. E o resto do Brasil? Os 20 por cento de desempregados em São Paulo? Os milhões de excluídos do Nordeste, centro, sul, oeste, noroeste, estibordo, bombordo? Não tem emprego porque não temos economia soberana. Trabalhamos para pagar os juros das dívidas e os honorários do estamento, o poder da ditadura civil, que arranca os tubos do couro da população com inumeráveis mordomias.

VENDIDOS - O mais impressionante das reações à matéria do New TYork Times - que levantou uma lebre que não levou ninguém, nenhum repórter do Brasil, a verificar se é verdade ou não - é a confusão que se faz entre imprensa e estado. Chico Caruso, por exemplo, fez uma charge no Jornal Nacional tirando um sarro do Bush, que cobraria a bebida de Lula enquanto puxava um iraquiano poelo pescoço. Imprensa, em país civilizado, nada tem a ver com o governo, o poder - estou falando em imprensa, e não na CNN. Pois parece que a imprensa americana não pode criticar Lula porque os Estados Unidos invadiram o Iraque. Mas que asneira monumental.

10 de maio de 2004

A FEDERAÇÃO DOS MESES

Maio, se continuar assim, de céu impecável e temperatura amena, é Santa Catarina. Abril, pelas promessas que encerra, sempre foi São Paulo. Outubro, pelo ouro do ar enfim liberto do inverno, é o Rio Grande do Sul. Por motivos óbvios, janeiro é Rio e fevereiro, a Bahia. Cada unidade desta composição tem sua identidade e precisa tanto dela quanto da união do tempo livre e soberano. Assim também o país onde vivemos.

MANGUAÇA - Não sei se o New York Times está mentindo ou não ao atribuir alcoolismo ao presidente que elegemos, mas é bom prestar atenção aos nossos aliados fora das fronteiras. O Brasil é um escândalo tão explícito que a imprensa internacional está nos ajudando a entender melhor o que se passa, assim como a justiça suíça e francesa segue os passos da corrupção, além dos autores de livros que investigam o saque internacional às nossas finanças, trabalho, destinos. Os paraísos fiscais são nossos infernos. Enquanto isso, prepara-se nova campanha poró-direita capitaneada, claro, pelo maior ilusionista do país, o publicitário Duda Mendonça, que vai nos colocar goela abaixo o Paulo Maluf assim como fez com Lula. O escândalo é que todos os telejornais e jornais impressos trazem as gracinhas de Maluf, impunemente, entusiasmado com a chance de aproveitar o claro deixado pela prefeitinha festeira, a mesma que se apronta para, na MTV, plagiar os Ousbournes. Blearghh.

MENTIRAS - Collor mostrou com se faz: mente-se mil vezes que ele é um caçador de marajás até que todos acreditam. Deve-se colocar na ilegalidade tanto as empresas de insegurança que matam adolescentes por nada quanto a publicidade profissional que coloca e tira políticos dos cargos por meio do engano. A raiz de tanta impostura está no conceito de populismo, inventado por acadêmicos como Francisco Weffort, que depois de posar de revolucionário e progressista a vida inteira locupletou-se no ministério do direitista FHC. A traição às conquistas populares do trabalhismo via denuncia vazia do populismo entronizou a ditadura no poder por meio da constituição de 1988, que manteve as Medidas Provisórias e consolidou no poder o coronelato civil dono dos grotões eleitorais.Tudo em troca de duas ilusões; o título de doutor nas universidades dos países saaqueadores, como aconteceu com FHC, e o poder da atual manguaça do PT, que desmoralizou os movimentos populares ao aprofundar a política entreguiista de seus antecessores. Tudo isso nos leva de volta à direita explícita, que está cheia de razão e pronta para retomar tudo. A única saída é retomar o trabalhismo, que instaurou um mínimo de paz social no país das grandes desigualdades.

REI - Os ingleses já quiseram se apossar da Ilha de Santa Catarina e chegaram a oferecer milhões de libras em troca deste paraíso, que dá de mil na porcaria da ilhota metida a sebo deles. Dom Pedro I quase entregou a rapadura, mas por sorte tínhamos o estadista José Bonifácio de Andrada, que negou essa facilidade aos piratas internacionais, que ficavam furiosos de ter de pagar impostos no porto do Rio de Janeiro para abastecer. Queriam se apropriar da ilha e devastá-la, como fazem com tudo. Acabaram ficando com o deserto gelado das Malvinas. Fiquei sabendo que o bobalhão Principe Charles comprou um monte de terras brasileiras na fronteira com a Guiana inglesa lá deles. É preciso que nossa soberania dê um tranco nisso. Mas temos estadistas? O que me irrita é que Charles nasceu exatamente no dia em que vim ao mundo. A diferença é que eu nasci para ser rei e ele não.
Aqui ó, proceis.

O EXPLOSIVO HAITI

Não contente em mexer com as Forças Armadas via gerenciamento catastrófico, o governo Lula brinca de soldado e envia tropas para uma zona conflagrada, com um agravo: o abraço com as tropas argentinas que, nas entrelinhas, já contestaram a liderança brasileira no evento.

FIASCO - Foi num seminário com historiadores militares que descobri o óbvio: a de que o Exército brasileiro estuda a guerra do Paraguai como modelo de guerra e dela tirou a principal lição, a de que deve contar sempre com as próprias forças antes de apostar nos seus aliados. Pois Lula arvora-se a ser lider da ONU no Haiti, mas a Argentina já avisou que a liderança "é do Mercosul". Ou seja: num lugar onde existe guerra, onde nossos soldados não irão a passeio, que está prestes a se tornar um novo Oriente Médio, como prometeu Bush ao dizer que vai intervir para evitar que Raul Castro assuma a presidência no lugar de Fidel quando este morrer, nesse lugar de luta e disputa de hegemonias, o ditador civil Lula vai enviar tropas, mexendo assim com as forças armadas brasileiras, que cumpriram a palavra e se retiraram da vida política depois de descobrir que estavam pagando sozinhas pelos erros do regime, enquanto os sarneys e acms da vida viviam à tripa forra, cheios de poder e prestígio (especialmente na mídia). O envio de soldados ao Rio já mostrou-se um fiasco de falta de entendimento. Brinca com fogo, brinca, presidente. Fique na sua e vá reformar estradas, construir escolas, colocar os corruptos na cadeia e renegociar a dívida. Deixe os bravos soldados brasileiros dentro das suas atividades constitucionais, e dê-lhes todo o apoio para isso, em recursos principalmente. Nossos soldados são homens de palavra.

BINGO - Não, não é o jogo, é a cravada que a resenhista Andrea Caitano deu na revista Vip, ao comentar que Universo Baldio é sobre a luta de um escritor para escrever seu livro - e outro não é o sentido da busca da primeira palavra que inaugura a segunda parte deste meu romance (e também da despedida de um dos personagens da primeira parte, numa cena que emocionou Gim Tones). Outra sacada é que a aparição de Honório de Lemos seria o efeito tardio das viagens de ácido na juventude. Fantástico, sabe tudo a repórter brilhante da VIP, revista que foi generosa com o romancista estreante e publicou esse pequeno mas significativo texto sobre um livro que até agora foi igonrado pelos coleguinhas da grande imprensa, apesar das promessas via telefone. É o de sempre: moitam, porque adoram te enterrar vivo. É assim mesmo.

8 de maio de 2004

Diário da Fonte

O PERFIL DA INDIFERENÇA

Agora que a soldada Linddie England posa com seu cachorro iraquiano, olhando com extrema indiferença o animal que ela traz à coleira, onde estão as matérias sobre a "mulhér", essa pauta rotativa infame que todos os dias tenta enquadrar indivíduos num gênero ideal, amorosamente feminino? E por que a imprensa fica fazendo a biografia da torturadora e nada fala sobre o torturado? E por que a imprensa acha normal que Bush prepare um massacre em Cuba?

ARROGÂNCIA - Num arroubo que mistura surto com prepotência, o antropólogo Roberto da Matta escreve no Estadão que é adepto da ginástica e da boa forma e sai-se com esta, mais ou menos assim: "esses olhos, que apesar da forma física, a terra um dia há de comer". é impressionante, ele descobriu os limites da própria divindade. O neo-autor (ou não-autor) Abilio Diniz, ao fazer o estrondoso lançamento da sua biografia, confessa que ele era tão bom, mas tão bom, que nem se dava conta. Aí ele mudou: ficou melhor. Como diria o funileiro Sádi: "Mas é prensionante". Outro não-autor de livros, Washigton Olivetto, crava o quinto lugar dos mais vendidos da Veja com seus piores textos. O não-livro de não- autores é a porção pseudoadulta da doença infantil do livrismo. O objetivo é transformar o livro num sabonete descartável e deixar de lado os autores, aquelas pessoas, aqueles indivíduos (homens e mulheres) que constroem uma obra atendendo aos ditames da própria vocação. Esses, ficam em segundo plano. O que temos é uma enxurrada de pseudolivros - tem até livro do jogador Marcelinho Carioca - desovados num mercado que quer ler e precisa lutar para encontrar coisa boa, normalmente escondida pelos vícios das vendas. Um romance de estréia ganha espaço nenhum na grande imprensa e exposição zero nas livrarias, ocupadas com orgasmos múltiplos e dicas de como ficar rico. Enquanto isso, nossos pares, alguns escritores que ajudamos a expor, nos entregam bolas quadradas pelos cantos, a expor indiferença em relação a um trabalho que custou sangue, suor e lágrimas. É assim mesmo: o retrato da nossa época é a Lindinha England arrastando seu prisioneiro pela coleira. Segundo a família da própria, ela estava obedecendo ordens, portanto é inocente. Os culpados são os grandalhões. Ao vermos as fotos em que ela debocha do pênis de um prisioneiro, podemos imaginar o que sentia de poder diante dos barbados, protegida por uma quadrilha de gângsteres que tomaram o poder via fraude eleitoral, como provam Michael Moore e Greg Palast, e que se preparam para invadir Cuba depois da morte de Fidel Castro. São uns covardes. Acham que o poder de Cuba vem de Fidel e não do povo. Os outros povos não existem, assim como o chamado " resto do mundo" - que é resto porque se comporta como resto.

REBOLADO - De repente, o de sempre: mulatas semi-nuas rebolando em frente a uma loja de departamentos em Londres, a mostrar que o Brasil é um país de pernas abertas para o mundo, a exigir que o estuprem. O miquinho amestrado Denilson fica fazendo piruetas com a bola, a desmoralizar o futebol penta-campeão, que é vitorioso graças ao povo que tem e não por ser macaquinho de circo. O nome do evento é Brasil 40 graus. Pega carona no trabalho de Nelson Pereira dos Santos, que é um cinema de afirmação da soberania. O resultado é o oposto: o Brasil que aparece agora é o que está sob o tacão da ditadura civil (saque internacional do trabalho dos brasileiros). Servimos de play-ground para o mundo, que se encanta com nossas mulheres peladas sob o sol. Aqui em Floripa, choveu uma semana e começa a fazer frio. Um Brasil amoroso e tranqüilo, mas lutador e muito invocado. Faça uma crítica a um catarinense para você ver. Ele reage à altura, pois afirma-se como brasileiro soberano e livre todos os dias. Esse tipo de postura não existe nessas promoções que colocam o Brasil como uma ilha do Caribe, que fala espanhol e está submetida a Buenos Aires. Antes tivéssemos estadistas com a postura do presidente Kirchner, que deu um chega para lá nos credores e negocia com altivez o seu país saqueado. Ele faz isso porque sabe: se marcar touca, o povo argentino saiu às ruas e o derruba. Aqui, vimos todos os partidos, sucessivamente, enriquecerem. Chegou a vez do PT. Até quando?

RETORNO - Claudio Levitan vai apresentar no Sesc Pompéia, no domingo, sua obra A Longa Milonga. Levitan é talento múltiplo: escritor, poeta, compositor, instrumentista, cantor, desenhista, arquiteto. Conhecê-lo é um privilégio. Privar da sua amizade, uma honbra. Levitan ilustrou meu livro de estréia, Outubro. Desenhos maravilhosos de um grande artista. Não percam, vão lá vê-lo e ouvi-lo e descobrir esse cara magnífico que precisa ser conhecido em todo o Brasilo que ele tanto ama.

6 de maio de 2004

GESTOS QUE NÃO EXISTEM

Depois de falar ao telefone, antes de colocá-lo no gancho, você olha para o aparelho interrogativamente? Você já seguiu alguém pela rua ou pediu para outras pessoas irem atrás de você fazendo gestos com a mão ou com a cabeça? Você já fechou a mão e deu um soco no ar quando acaba de perder alguma coisa? Tudo isso é lugar comum no cinema, mas jamais ocorre na vida real. Ou não existe vida real?

FEIRA DE RUA - Visito a simpática Feira de Rua do Livro de Florianópolis e constato que não existe nela, pelo menos à vista, a doença infantil do livrismo. Ao contrário, o que se destaca são as pequenas editoras catarinenses lançando coisas como Garcia Lorca em Nova York, numa edição primorosa, ou livros que reproduzem documentos antigos sobre a Ilha, análises das universidades daqui, instituições culturais a mil, como a Fundação Franklin Cascaes, nome de um erudito que já se foi e deixou vasta obra sobre esta terra. Tive a oportunidade entrevistar Cascaes nos idos dos 70 e ele me confessou que na revolução de 30 quem foi para a cadeia foram os poderosos. Na pequena feira do livro, apenas um nome ou outro mais forte entre as livrarias e editoras, como é o caso da Catarinense, uma potência local, que tem belo estande, mas pequeno, como em toda a feira. Vejo que o evento está centrado no livro e nos autores. Existe permanentemente um video reproduzindo depoimentos de vários autores, falando sobre este ofício tão cheio de grandeza e tão pouco compreendido. Uma pequena, mas significativa festa do livro na mais maravilhosa capital brasileira. Certamente neste fim de semana a feira vai lotar (hoje, com chuva e tudo, estava cheia). As editoras perdem a chance de penetrar em rede neste mercado onde sobram leitores e faltam títulos. Vi pouca coisa de importante fora da produção local, a não ser os best-sellers de sempre. É um momento raro para experimentar a aceitação de novos titulos, fazer promoções, atrair novos leitores, compor cadastros, fazer-se conhecer. Como esta feira, existem outras por todo o Brasil e também em São Paulo, já que feira de livro em Sampa não se restringe à Bienal. Só na USP existem várias feiras ótimas. E viva o Ano do Livro!

VISITA ILUSTRE - Recebo em minha casa aqui na ilha, pela primeira vez, a visita ilustre do meu irmão Luiz Carlos, que chegou vestindo magnífico chapéu branco e acompanhado da sua querida Arnalda, minha cunhada Naná. Falaram orgulhosos da suas filhas e curtiram bastante o local, de onde se avistam algumas montanhas. Luiz Carlos foi quem me atraiu para a ilha, no início dos 70, quando veio para cá fazer seu mestrado (hoje ele é PHd em engenharia de software e orienta teses na PUC do Paraná. ) Ele conta que apaixonou-se pelo lugar ao cruzar a ponte Hercilio Luz. Aqui moram também meus outros dois irmãos, Elo e José Antonio, além de cunhadas, sobrinhos e sobrinhas. Uma terra que acolhe gente de todas a partes do mundo, mas que quando resolve chover, chove de verdade. Luiz Carlos aproveitou para fazer algumas correções no meu gauchês capenga. Como costumo escrever sobre aquelas paragens, fico com fama de gaúcho, mas pouco entendo do riscado. Uma de suas correções é a previsão metereológica do pampa. Para ele o certo é : "Saracura quando canta no alto do pontão, é sinal de vento, chuva ou tempo bom." Sempre achei que fosse coruja. Ao que me replicou: "E coruja canta?" Faz sentido. O certo é que não há como errar a previsão do tempo com um ditado desses.

AO ANDAR - Neste lugar, descubro que o gesto maior do Brasil é o andar. Andando, se toma posse. Na praia, aponta-se para o horizonte, como a tomar posse de toda a paisagem. Minha geração, para entender o Brasil, precisou percorrê-lo. Meu pai, viajando pelo lado argentino, descobriu , de trem, a beleza que é Uruguaiana e toda aquela beira de rio. Anda-se para se tomar posse do país soberano. Pisar na terra sem dono, caminhar, eis o gesto definitivo do Brasil que não pode confinar-se às grandes cidades. Há um país a descobrir. Foi isso que Marcelo Min sentiu ao deixar sua marca na Bahia e no rio São Francisco. É isso que Walter Frimo vê nas suas andanças. Fotografar de verdade, só caminhando. Tomar posse aqui é sentir-se brasileiro, não se trata de amealhar latifúndios. Sentir-se livre na terra que é nossa. O MST anda pela terra de latifundios querendo pedaços de terra negada. Quero ver o filme de Walter Salles sobre as andanças de Che Guevara. El Che queria a América unida. O Brasil conseguiu do seu lado: a América Portuguesa unida. O lado espanhol tornou-se fragmentado, e até hoje sonha em unir-se. Mas como unir bolivianos e argentinos? Tarde demais. Do nosso lado, somos xipófagos: nossa genealogia é aquela do Chico Buarque em Paratodos. O Brasil é o milagre do português, e de todos os povos. Ei, e os gestos que não existem? É o seguinte: quem me chamou a atenção para eles foi Erico Verissimo, numa visita que fiz, junto com minha classe da quarta série ginasial do Colégio Santana, à sua casa. Isso foi há cem anos. E até hoje os atores olham para o telefone, mesmo no celular. E ficam fazendo gestos com a mão para serem seguidos.

4 de maio de 2004

CLAROS NA IMPRENSA VAZIA

Leitor do ombudsman da Folha reclama que os jornais não mais surpreendem. Carta Capital descobre que Bob Woodward está perto demais de Bush para criticá-lo. Empresas de comunicação endividam-se até o osso. Faz-se marketing e não mais jornalismo nos telejornais babacas. Carlos Nascimento voou para a Band.

O DRAGÃO CHINÊS - Bruce Lee desenha um novo cinema com todos os poderes do amadorismo. Funda um novo gestual (hoje repetido até o osso) baseado no biotipo e no gesto dos chineses. Cria um anti-herói, que se deixa seduzir pelos poderes. Mas que se recupera e acaba fazendo justiça. Filme ruim até o osso, bobagem pura, mas original, semente de toda uma nova linhagem cinematográfica. Mistérios da criação, percebidos na madrugada.

RENASCIMENTO - Contamos com o Jornal da Band do Carlos Nascimento. Um cara que não faz caras e caretas, tem noção de timing (raríssimo nos telejornais), nos oferece um belo cardápío de notícias, é de uma seriedade que jamais nos irrita ou afasta e é de uma generosidade sem par. Seu companheiro de mesa, Joelmir Beting, bola coisas como "o caminhão atropelou o vagão" para falar do sucateamento dos trens e não toca no principal, de que acabar com os trens faz parte do sucateamento do patrimônio da soberania nacional. Ficamos mais dependentes de petróleo e o povo perdeu um transporte de primeira. Frases bem boladas deveriam ceder espaço para um pouco mais de contundência. Mas Joelmir é ótimo perto de outros colunistas dos telejornais. Além de ser um ícone que ninguém pode criticar, vício do país do consenso imposto por hábito e uma sucessão de exclusões.

POESIA - Gim Tones, no seu blog, atravessa maravilhosa fase poética, construindo seu São Francisco de Botequim em busca de Deus e da santidade, papa fina que encontramos na internet e jamais na imprensa vazia que nos tortura diariamente. Mas Gim é Gim, talento que representa uma geração que vem com tudo e vai fazer explodir as comportas da caretice atual. O Brasil gera sua própria grande linhagem. É como água de vertente na montanha: podem colocar muros, podem tentar desviar e até mesmo destruir a montanha. A água desce, vem e forma rios que deságuam no mar. O mar, maravilhoso mar.

RETORNO - Internet é assim: podemos reescrever o já publicado, refazer o já feito, jogar fora o que ficou em dúvida.

3 de maio de 2004

A ILUSÃO DO "SANGUE"

Foi a exclusão política e econômica que empurrou milhões de alemães, italianos, espanhóis, coreanos, japoneses, chineses para o Brasil. Exlclusão produzida pela ilusão da hegemonia racial. Vítimas do preconceito, as etnias servem aqui para reforçar preconceitos. Ninguém é mais brasileiro. São todos de outros povos, que possuem "sangue" estrangeiro. Amiga orgulhosa da sua ascendência italiana me confessou um dia desses que seu pai é cearense. "Então, dançaste", avisei. "Ceará é radical. Não tens mais nada de italiano."

TERRA BOA - Muitos milhares de anos - nem se sabe ainda ao certo - formataram o povo encontrado pelo europeu aqui na época da descoberta. Foi esse povo, composto por milhões de indivíduos, de muitas linguas, com enorme diversidade genética e racial, que ensinaram os portugueses (incestuosos maridos de primas, assim como o resto dos europeus, que adoram casamentos consagüíneos para manter as prueza da "raça", o que gera decadência física) a sobreviver na nova terra, segundo estudo minucioso e genial de Sergio Buarque de Holanda em duas obras seminais, Monções e Caminhos e Fronteiras. Todos os povos do mundo aprenderam a sobreviver aqui, pela mão do índio. Os coreanois chegam e enchem o bolso de grana vendendo vans. Os gerentes de multinacionais dizem que não há mão-de-obra melhor do que o brasileiro, que a tudo se adapta coma agilidade e criatividade. Árabes e judeus vivem em harmonia porque aprenderam a viver com os povos desta terra. Aqui eles estão longe do perigo, do Oriente Médio, do ódio racial, dos ressentimentos gerados pela História. O Brasil não é um mar de rosas, mas somos únicos e profundamente brasileiros. Por que negamos todo o tempo nossa soberania como povo? Os anos 90, com sua parafernália de conceitos como nichos de mercado, satisfazer o cliente nas suas necessidades, produtos segmentados e outras baboseiras aprofundaram os guetos. A palavra da moda é característica, na academia é especificidade. Precisamos voltar à cultura universal, a ter acesso a instrumentos poderosos que ultrapassem fronteiras de guetos, etnias (aos onze anos, na era Vargas, comecei a estudar no ginásio Latim, Francês e Inglês). O pior é que o brasileiro construiu o Brasil e quem está levando a fama são os estrangeiros. Parece que todo mundo adora enrolar a língua e a não falar brasileiro. Todos carregam no sotaque europeu, especialmente o alemão e o italiano (e buscam a nacionalidade lá, na terra que expulsou os avós). Amigo meu me chamou a atenção: esses caras vivem falanda da Alemanha e da Italia, mas jamais voltam para lá. Porque lá eles não tem as oportunidades daqui, não tem acesso a essa boca tremenda que é o Brasil.

O MAR AMOROSO - É por isso que, no momento em que somos empurrados para a regressão política rumo à República Velha - país entregue aos estrangeiros, nenhum direito trabalhista, trabalho escravo, desemprego e violência por toda a parte - é preciso resgatar o que nos chamou a atenção para o fato de sermos brasileiros: a revolução de 1930, que gerou o romance com gosto de terra e povo, a poesia revolucionária, o cinema brasileiro, a arquitetura brasileira. A traição é usar o que a revolução de 30 nos deu para negá-la. Na beira do mar, enxergo a terra maravilhosa que é o Brasil, com todas as suas contradições e problemas, mas terra de um povo que deveria continuar soberano. A praia é o pacto do mar com a terra. O alto mar é feroz, tempestuoso, porque é solitário. No momento em que encontra o Brasil, torna-se suave, tranquilo, amoroso. O Brasil é uma declaração de amor do mar ao planeta. Ficam falando tanto em terras européias, que são estéreis, vivem embaixo do inverno, exploram todos os povos e são as campeães da exclusão social. Aqui esta terra ensina a tolerância e se ela está no meio do caos e da violência é porque fazem tudo para estragá-lo. Cada geração tem a obrigação de lutar pelo que recebeu e vai legar. Passou da nossa hora. Não podemos nos iludir de apenas usufruir. Precisamos lutar para que o Brasil volte a ser um exemplo de paz. O tom catequista desta mensagem é gerada pela urgência de se falar sobre os guetos que se aprofundam no Brasil. Chega de musiqueta italiana, sotaque italiano, palavras ditas em tom áspero chucrutz. Chega de rap, hip hop, música mexicana disfarçada de sertaneja (gritada) etc. Quero Edu Lobo de volta. Onde está o maior compositor do Brasil?

1 de maio de 2004

UMA FESTA PAGÃ

O primeiro de maio vem da civilização celta (para quem, como eu, nada entende de nada, tudo vem dos celtas) e marcava o início da primavera. Era uma data de celebração e de pedidos aos deuses. Foi numa dessas comemorações que houve um massacre da polícia contra manifestantes, transformando o primeiro de maio em dia dos trabalhadores. Com a volta da festança e o fim das reivindicações - que conincide com o fim da era Vargas - tudo volta ao leito normal, ao som dos pseudo-sertanejos (urbanóides especialistas em berrar). Comemora-se não se sabe o quê, possivelmente o retrocesso ao período anterior à civilização dos direitos trabalhistas.

REPÚBLICA VELHA - Com a investidura, na mídia, de Aécio Neves, para ocupar o cargo de presidente a partir de 2006 (o que já foi anunciado publicamente pelo porta-voz da direita, Antonio Carlos Magalhães) voltamos ao tempo da república café-com-leite, em que paulistas e mineiros revezavam-se no poder, com algumas concessões aos nordestinos - numa espécie de homenagem ao fundador do regime, Marechal Deodoro, que era de Alagoas. O café-com-leite coincide com o fim da carteira assinada, o desemprego e a entrega da soberania. Tudo isso travestido de presidentes com pose de estadistas de estádio (Lula ontem num ágape com Ratinho no SBT, olhando embevecido uns desafinados gritando provocava choro e ranger de dentes). Ninguém pergunta o valor da nota preta gasto em propaganda por Aécio Neves, que tem como garotos propaganda gente cara como Ziraldo e Pelé. Enquanto isso, define-se o salário minimo em Washington. Quem deu o serviço do FMI como saqueador de nações foi Greg Palast, no seu clássico A melhor democracia que o dinheiro pode comprar, que está vendendo bem e só foi percebido pela Carta Capital e alguns colunistas. Há um silêncio de ouro envolvendo tudo isso. Neste primeiro de maio, também lembro a explicação da palavra greve, dada por Victor Hugo no livro Notre-Dame de Paris: greve significa praia e em francês havia uma Praça da Praia na margem do rio Sena, onde os trabalhadores desempregados se reuniam ou quando queriam pressionar o patronato

HOMENAGEM - Sou homenageado pelo poeta uruguaiaenense Silvio Genro com o seguinte poema:

" Mapas
Silvio Genro
Conheço teus becos,
cada rua tua,
tal qual as linhas da minha mão...
Sei de cor
os mapas dos teus mistérios
e o endereço do teu coração.
Sei do teu romance com as águas doces
desse velho rio
de mansas emoções...
Das vilas e vielas que tecem as teias
onde nos enleias
em tuas paixões!
Conheço teu rosto de cidade humana
e a ternura urbana
dos mapas da vida...
Conheço tua alma minha amiga antiga,
aldeia querida,
amada Uruguaiana!
Sou confidente dos teus segredos,
temos mesmos medos e aflições...
Sei onde escondes
teus poucos pecados
e os mapas de tuas tantas tentações.
Conheço o endereço
de tua poesia que me denuncia
todo o teu encanto...
Sei onde mora a tua alegria
e em que ombro choras
o teu triste pranto! "