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21 de março de 2004

UMA LEITURA DIAGONAL


Autores de artigos fingem-se de mortos, como se não fizessem parte da guerra, e assumem a falsa isenção dos iluminados. Como aturá-los? Costumo fazer uma leitura diagonal, ou seja, que não me toma tempo desnecessário e me informa apenas sobre a posição real do batucador de teclas, que imagina o leitor como uma espécie de babaca emérito. É por isso que a mídia em geral acumula uma dívida de 10 bilhões de reais (como foi noticiado hoje na Folha). Todo mundo foge dela. Como estar tão endividada e teimar em continuar parecendo ser a rainha da cocada preta?

POPULISMO, DE NOVO – O historiador Boris Fausto aumenta hoje no Mais!, da Folha, a bolsa de calúnias contra Getúlio Vargas, colocando-o como "populista" (o conceito inventado pelos falsos intelectuais para empalmar o poder e entregar o país). A última que inventaram sobre o grande estadista teria sido apoiar os trabalhadores industriais e abandonar os do campo. Primeiro por ter sido, claro, latifundiário (!) e amigo dos grandes proprietários de terras. E segundo porque assim forçaria a migração das massas do campo para as cidades. Só uma cabeça sombria poderia pensar uma besteira dessas. A migração para as cidades já existia desde o início do século, atingindo grande proporções nos anos 20, como mostra qualquer manual de História. Getúlio já pegou a situação implantada. Fez o que um grande estadista faria: forçou a emergente elite industrial a obedecer aos direitos trabalhistas para que houvesse paz nas cidades lotadas (que desde as grandes greves lideradas pelos anarquistas, estavam em pé de guerra). Em troca, ele subsidiaria as fábricas. Todos os grandes empresários da época beberam nas águas getulistas, para depois trai-lo. E a elite industrial traiu porque, burramente, achava que poderia ganhar muito mais se voltasse aos velhos níveis da Republica Velha, quando homens, mulheres e crianças morriam dentro das indústrias com o rosto sujo de graxa e carvão, como atestam as fotos da época. Houve exceções. Teve gente que entendeu a lição, mesmo precariamente, pois sua visão de justiça social era favelizar perto da fábrica as moradias dos operários e não libertá-los através do salário justo e dos direitos assegurados.

TERRA E PAZ - Sobre os trabalhadores rurais: o regime getulista trouxe paz ao campo, situação que foi completamente desestruturada nos últimos anos, com a irresponsabilidade atual dos fazendeiros escravagistas e do MST, que cai em todas as armadilhas (como pregar a retomada da terra à força, como fez José Rainha num discurso que ei vi na TV) e não consegue fazer valer a justiça no campo. Antes de Getulio, as massas rurais estavam à mercê da barbárie, das guerras entre as elites rurais e políticas, sendo convocadas à força para a degola e a carnificina. Getulio acabou com o cangaço (quando lhe diziam que Lampião era um grande estrategista, ele gargalhava) e as revoluções regionais. Não conseguiu fazer tudo. Deixou um pouco para seus descendentes. Pois é o que vemos: o pouco que ele fez foi sucateado. Mas não basta: é preciso mentir diariamente sobre ele, sob o manto do cientificismo histórico.

FRAUDE - Outra barbaridade é comparar Getúlio a Perón, como se pudéssemos hoje comparar Lula a Chavez, ou mesmo Bush a Tony Blair. Só por viverem numa mesma época e exercerem o poder não quer dizer que sejam farinha do mesmo saco. Bush fraudou uma eleição, Tony Blair foi eleito pelo parlamento inglês, a primeira dermocracia do mundo. Si se identificam na cretinice não quer dizer que sejam idênticos. Mesma coisa entre Perón e Getúlio. O peronismo é um matriarcado de uma nação mal resolvida, que se acha a melhor do mundo e não passa de um país como qualquer outro. Tomar o poder em Buenos Aires é moleza. Tomou Buenos Aires, acabou-se a Argentina. Getulio comandou uma revolução complicada, saiu do extremo sul para chegar ao poder de um país continental. O Rio de Janeiro, capital que nunca deveria ter deixado de sê-la, caiu depois de um golpe militar (o 24 de outubro de 1930), quando então assumiu uma junta. Getúlio derrubou essa junta por meio de um emissário, Oswaldo Aranha, que chegou no Rio sozinho num teco-teco e peitou os poderes recém instalados. Claro que ele estava apoiado nas tropas aquarteladas em Itararé (a batalha que houve) e a coisa ia feder se a junta não abdicasse do poder. Se existe algo que identifique Getúlio e Perón é que eles foram soluções encontradas pelos seus países, que estavam exaustos das prisões das elites tradicionais, as mesmas que hoje dão as cartas. São rupturas e Argentina e Brasil tornaram-se, por um tempo, nações realmente independentes com eles (o Perón da segunda fase, com Isabelita, é outra história). Getúlio é a fúria da massa diante da incúria dos políticos tradicionais. Getúlio pagou toda a divida externa, implantou o parque industrial, especialmente depois que negociou com os americanos a siderúrgica Volta Redonda (a mesma que entregamos de volta, de graça), implantou os direitos trabalhistas, que já foram devidamente sucateados. Sob seu governo, o prestígio do Brasil chegou ao auge. Os que entregaram o país pagam hoje os analistas para acabar de vez com sua obra. Mas, “como braseiro dormido que os ventos da mudança vão reacendo”, para usar uma imagem de Leonel Brizola, o trabalhismo voltará para impedir a total entrega da soberania nacional a esses governos de merda que mandam no mundo, tiranizando inclusive seus próprios povos.

RETORNO – Tenho uma solução para a dívida da mídia: decretem falência. Ou melhor, declarem vitória e voltem para casa (como sugeriu alguém para os americanos entalados no Iraque) Deixem esse ofício para quem é do ramo e foi expulso pelos medíocres. Em pouco tempo, a "comunicação" (palavrinha que lotou) voltará a dar lucro. Uma zapeada rápida neste domingo nos canais abertos revela as personalidades enfocadas: Alexandre Pires, Wando (!), Lulu Santos. O que há com os programadores? Duvido que mangolões rebolando a genitália (a maldição do Tchan; até quando?) ou fingindo cantar seja algo que exista fora das tardes de domingo na TV aberta. Não admira que estejam falidos. Parece que existe um plano do BNDEs para salvá-los. Deixem afundar. Não se trata de exigir "qualidade" (mais uma palavrinha infernal). Mas apenas de tirar dos idiotas e mal intencionados a responsabilidade da programação.

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