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1 de fevereiro de 2004
O SONO DA IMPRENSA
O vasto espaço editorial disponível nos grandes jornais não conecta a diversidade da produção do talento e com isso ajuda a travar sua divulgação. Ao mesmo tempo, nem as editoras – e até mesmo a Internet – dão vencimento à cultura trabalhada por uma gigantesca humanidade, cada vez mais ansiosa diante da injustiça que é expressar-se para poucos, e não ter o retorno valioso dos seus contemporâneos. Aqui, algumas sugestões pensadas em voz alta para enfrentar o desafio desse sofrimento.
TODO MUNDO LÊ – Falta vida às reportagens, falta alegria e gratificação na leitura, falta a imprensa escrita retomar a vanguarda, deixar de ser periférica, dizem especialistas como o professor Carlos Chaparro, e também o mais completo profissional de comunicação do país, Wagner Carelli – com quem tenho o privilégio de trabalhar e que ontem, sábado (31/01/04) deu longa entrevista ao programa Comunique-se, da allTV, junto com Mathew Shirts. Como leitor eventual de jornais – pois tenho décadas de contato com esses veículos e minha paciência tem limites – diria que a redundância é o principal problema. Não há a aposta no leitor, ou seja, cada nota ou matéria resgata tudo o que foi dito antes sobre o assunto, como se o comprador de jornais fosse um completo ignorante, que precisa ver todos os dias as mesmas coisas, pois corre o risco de ter esquecido tudo e não saber do que se está falando. Essa memória residual, comum a toda criatura, não é levada em consideração. Sobram então quadrinhos e dicas de como o leitor deverá se orientar nas páginas, dispondo de sínteses que, na mente enevoada dos editores, seriam as únicas a serem lidas. Leva-se o leitor pela mão como se ele fosse um débil mental. Pois aposta-se que ninguém lê no Brasil – um reflexo, possivelmente, da própria situação intelectual de quem edita. Ao contrário do que se pensa, todo mundo lê no Brasil. Temos um tremendo mercado editorial e as bancas estão lotadas de títulos – com belas novidades, como a revista Nossa História, da Biblioteca Nacional, que é um sucesso de público, tendo vendido toda a sua edição inicial de 16 mil exemplares. Criam-se novas livrarias em todo o país, superando-se em instalações cada vez mais completas. Compra-se mais livros e cada pessoa tem uma produção por escrito, especialmente agora, em que a Internet facilitou a vida dos textos, que correm na velocidade da luz pela rede. Tudo isso não é considerado pela imprensa, que insiste nos mesmos colunistas, nas mesmas fórmulas, nas mesmas pautas e no mesmo tipo de texto, padronizado por manuais que provocam sono.
PARCERIAS - No lugar de tentar agarrar o mundo – que lhe escapa pelos braços carregados de auto-suficiência – os grandes jornais deveriam reconhecer sua própria precariedade e estender a mão para o que se produz fora das suas fronteiras. Poderia colocar sua estrutura e recursos à disposição de equipes inteiras de jornalistas que trabalham à margem do mercado do trabalho, suando para manter-se em pé, e que se dispersam em inúmeras tarefas mal remuneradas. Basta fazer um rodízio e encartar revistas, suplementos, grupos de ensaístas sobre os mais diversos assuntos, que tivessem liberdade editorial e visual. Ganhando uma percentagem da publicidade que for conseguida pelos departamentos de publicidade e marketing das empresas jornalísticas, essas equipes teriam a chance de vir à tona e assombrar o leitor com suas revelações. Para isso é preciso grandeza, reconhecer que não se pode fazer tudo.
O que existe dentro das empresas de comunicação é um gargalo cada vez mais apertado de profissionais. Pois a sugestão que está sendo encaminhada agora ampliaria o quadro de produtores de pensamento sem nenhum ônus para as empresas – que precisam investir em tudo, menos nos seus quadros de redação, claro. Assim teríamos inúmeros projetos que seriam revelados pelas empresas e que poderiam então ganhar vida própria ou mesmo continuar, em sistema de rodízio, pegando carona no esquema bem montado que existe no mercado formal. Já existe isso, pode-se dizer. Talvez, aqui e ali. Mas esse é um projeto que deveria ser encarado de forma massiva, para que pudéssemos dispor, todos os dias da semana, de algo bem mais importante do que apenas o cardápio sonolento do noticiário diário. Por osmose, talvez as grandes redações pudessem ganhar novo impulso e vir a ser aquilo que o Wagner Carelli lembrou no programa, quando trabalhou aos 20 anos na redação do Estadão: um espaço onde haviam pessoas brilhantes em todo o canto e onde aprendia-se tudo numa profissão que é a melhor do mundo.
RETORNO – Graças a Bebeto Alves, que é secretário de Cultura de Uruguaiana, com extensa e maravilhosa obra de instrumentista, cantor e compositor, conheci Renato Dalto, um magnífico escritor da fronteira. Vejam o currículo do índio: “Primeiro, pra matar tua curiosidade: tenho alguns livros publicados, sim, mas nenhum na área de ficção. O mais conhecido deles é o Missões Jesuítico-Guaranis, um livro que editei para a Unisinos, com fotos do Eduardo Tavares. Escrevo o primeiro capítulo- os demais são escritos pelo Barbosa Lessa, Armindo Trevisan, Décio Freitas, Nestor Torelly e Pedro Schmitz. Esse livro ganhou o Prêmio Açorianos (acho que 98 ou 99). Outras publicações: Terra da Gente, para uma ONg, em parceria com o Barbosa Lessa; escrevi um capítulo do livro Éticas (editado pela Federasul e Assembléia Legislativa) , onde faço alguns perfis como do Sérgio Faraco, Olga Reverbel e Sérgio da Costa Franco.
Minha profissão original é jornalista: escrevi sobre cultura no extinto Diário do Sul ( de onde conheço um baita escritor e sujeito maravilhosos chamado Tabajara Ruas), trabalhei no Jornal do Brasil, enchi o saco e larguei empregos.Resolvi inventar coisas para não morrer numa redação. E inventei algumas. No jornalismo, fiz alguns projetos que me deram muito prazer. Por exemplo: uma série de 10 cadernos chamada Paraísos, publicada na Gazeta Mercantil (caderno do Rio Grande do Sul). Trata dos principais santuários ecológicos do Rio Grande do Sul. Comecei a trabalhar muito como roteirista. Escrevi a série Sul sem fronteiras, para a TVE-RS, dez documentários sobre o patrimônio histórico do RS- mas não esse patrimônio convencional, de prédios e relíquias antigas. Patrimônio histórico é o que herdamos, o que somos, nosso jeito de ser, as histórias que temos pra contar.
Mas o que inventei mesmo e mudou a minha vida foi criar cavalos crioulos.
Comecei num campo alheio, em Livramento, minha terra. Juntei uns pilas,
comprei um torrão pras bandas de Camaquã e trouxe pra cá a eguada. Batizei
meu chão de Cabanha Enluarada. E reatei o cordão umbilical que me liga à
terra. Isso também foi decisivo no que escrevo. Foi chuva boa na pastagem
das letras. Atualmente, passo a maior parte do tempo por lá, trabalhando com
o bicharedo e escrevendo pra sobreviver.Finalmente, devo te confessar que
tenho projetos na área de ficção. Há muito tempo, escrevi poesia, à qual
abandonei. Também não sou tão jovem assim: acabo de chegar nos 45, mas acho
que conservo o fôlego de potro. Tenho duas ou três histórias iniciadas, um
roteiro pronto para um documentário na região do pampa, várias idéias na
cabeça e acho que posso dizer e escrever coisas que agradem ouvir ou ler. E
sigo adiante, a galopito, bombeando o horizonte.” Falei para o Dalto que 45 anos para mim, é guri.
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