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12 de dezembro de 2003

RELAÇÕES HUMANAS NO DESERTO



Este 2003, o ano da virada, foi de retomada, aprofundamento e invenção de amizades, uma palavra que está em desuso no que tem de sincero, e moeda corrente nas convenções sociais – e o espaço social hoje é a mídia, especialmente a mídia das mídias, a Internet. Meu testemunho passa por uma larga varanda de pessoas, onde procuro prestar atenção também no que deixo de fazer, por hábito do longo isolamento a que nos acostumamos.

RESGATE – Um vizinho da minha infância, Caio Saldanha, aos 59 anos me escreve de Porto Alegre resgatando aquela convivência dos anos 50, quando éramos pequenos – eu, menor do que ele – numa rua cheia de vida e brigas e festas e conversas e sonhos e discussões e confraternizações. Aquela rua Bento Martins que revisitei recentemente e vi as casas no mesmo lugar, algumas abandonadas, e outras ainda ativas, como a minha, com as mesmas coisas: o galpão nos fundos, que hoje é oficina e até mesmo (essa o Anderson Petroceli, que estava no local, não agüentou) o mesmo tonel cortado ao meio transformado em lixo. “Mas, tchê, é o mesmo latão”, dizia eu, sério. “Estavas indo bem até agora com tuas lembranças, mas essa foi forte”, reclamou nosso grande fotógrafo da fronteira. Apontei o latão de lixo antiquissimo e disse que era uma solução tão boa que dura até hoje. Fui olhado assim meio de lado, mas nosso amigo das imagens é um cara compreensivo e deixou para lá. Pois este ano tive o prazer de conhecer Anderson pessoalmente, assim como rever amigos que por lá ficaram, como Fernando Pereira da Silva, escritor que mistura memórias e histórias da cidade, que me confidenciava: “Sou árvore, fiquei por aqui”. Lá também revi Pedro Gomes, muito atento a mim e minha poesia, que me trata com a maior consideração, e que é pai agora de grande poeta – tive uma amostra belíssima num papel que ele me entregou, emocionado e orgulhoso como todo pai. E descubro que a uruguaianense Vera Ione Molina da Silva é escritora de livros premiados, alguns ambientados naquelas paragens eternas do pampa e da cidade que hoje habita a memória. Sem falar na visita ao poeta maior, J.A. Pio de Almeida. E tantos outros, que já citei aqui.

CONTINUIDADE – Destaco minha amizade com Leontino Filho, sensível poeta e cidadão de primeira água, que sempre me escreve cartas maravilhosas. Leontino me apresentou um poeta que ainda estou lendo, dada a magnitude da obra, e que é desconhecido, Annibal Augusto Gama, que lançou pela Funpe, de Ribeirão Preto “50 anos falando sozinho”, de 618 páginas. Trata-se de uma poesia magnífica, da qual destaco este trecho de seu poema Silêncio: “ O de que precisam todos/ é um grande silêncio/ que vare o dia, a noite, a madrugada/.../ e quando afinal já não se ouvir tanto ruído/ poderemos contemplar a nuvem que passa/ e o silêncio eterno dos astros no espaço não nos espantará.” Poema apropriado para a balbúrdia e gritaria de hoje, quando uma van de som altíssimo pode interromper o descanso noturno para, sob encomenda, fazer alarde do aniversário de algum sujeito desqualificado, como aconteceu hoje aqui perto de casa. O poeta Annibal, “na plenitude dos seus 76 anos” como diz Mario Chamie no prefácio, é um grande poeta que precisa ser lido e apreciado. Estou há um tempão com o livro (desde março), e o visito aos poucos, tomando pé desse trabalho primoroso.
Este também foi o ano que saí de um emprego onde fiquei por dez anos, a Fiesp, e de lá saí carregado de grandes amigos, como Luiz Carlos de Moraes, Luciana Felix, Daniel del Fiore, Odair Rodrigues, Rubens Toledo, Elisa Santos, Lourdes Rillo, e tanta gente que será difícil citar aqui sem cometer injustiças. Entrei num trabalho, a W11 Editores, que me traz novas chances de amizade, com autores ótimos que estão sendo publicados por lá, além de novos colegas de trabalho, todos sob a direção de Wagner Carelli, o criador dos projetos primorosos. Por meio da literatura e do jornalismo, aprofundei amizade com Moacir Japiassu e José Paulo Lanyi, entre tantos outros. Chega de citar gente. Parece coluna social. Mas no fim de ano ficamos todos assim, fazendo balanços.

LIVROS - Foi também o ano em que finalizei meu romance, meu novo livro de poemas, esqueletei meu livro de ensaios e memórias e ameaço cuidar agora do meu livro de contos. Abraço definitivamente minha vida aos livros, do qual jamais me separei e já decido: 2004 será o Ano do Livro. Se assim sonhamos, assim será.

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