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28 de novembro de 2003

INDIFERENÇA, O ESPECTRO QUE MATA


É moda fingir responsabilidade social, mas o que pega de fato é a suprema falta de atenção aos outros, no país da exclusão e da má distribuição de renda, onde vemos amigos sumindo para países mortais e sem nome. Somos ninguém na mão do horror que é o monstro de olhos vazados que apelidei de Tantufas.

GANÂNCIA - Tatiana Palombo pediu para me despreocupar em relação ao seu longo internamento (um mês!), e eu atendi. Por quê? Porque é mais cômodo. Mas não é nada confortável saber de alguém muito próximo que se foi por falta de apoio, porque somos indiferentes, porque não fomos atrás. O editor de arte Luiz Carlos Moraes, ao comentar o texto sobre Tatiana aqui no Diário da Fonte, chama atenção para essa tragédia e ao mesmo tempo me conforta ao abordar o assunto: “A vida nos mostra coisas que não conseguimos enxergar. Por pressa, por materialismo, por ganância, por vaidades, não vemos o simples, o passageiro, o humilde. Não vemos as melhores coisas que passam pelas nossas vidas: a amizade, a consideração, o respeito, a admiração, e o carinho tão especial que você demonstrou em seu texto falando de nossa colega que se foi.” Você não tem um tostão no bolso, numa contingência? Isso provoca gargalhadas e sentimentos de superioridade em muita gente. Há uma certa alegria quando os outros não conseguem o mínimo para andar na cidade (e que cidade!). Somos os comodistas que se deitam no colo de Tantufas. Que, como a Morte no filme Sonhos, de Kurosawa, tenta te transmitir tranqüilidade, mas no fundo quer que você não enxergue que a salvação está perto, que basta dar mais alguns passos para descobrir a cidade cheia de calor e comida que estava encoberta pela neve. Se a gente se entregar, Tantufas nos envolve e nos mata. É isso o que queremos? Claro que não.

TEM TODAS - Vivemos em comunidade por um princípio básico: a união das pessoas assegura a sobrevivência e garante contra inimigos externos, soma forças para conseguirmos cruzar o tempo que nos cabe na Terra. Perdemos hoje o sentido de comunidade, como se não precisássemos uns dos outros. No fundo, estamos esperando que uma catástrofe nos lembre porque vivemos no mesmo lugar. A noite poderosa que nos assusta se não houver luz, a falta de pão e carne se houver plano econômico mal sucedido (como aconteceu com o Plano Cruzado, em 1986), o apagão que tudo reduz a estaca zero: os perigos se multiplicam no meio da violência e do medo. Por isso vivemos em comunidade. Mas esquecemos e somos pobres criaturas à mercê das forças do mal que nós mesmos desencadeamos. E como isso acontece? Por obra de Tantufas, o Mal sorridente e tranqüilo, que poderia muito bem ser resumido numa espécie de slogan da minha geração (e que foi o sintoma da sua catástrofe): “Não tem nenhuma!” Pois disse para uma pessoa dessa convicção: “Tem todas!” Tudo tem a ver conosco. Não falo em sentir pena de mendigo ou de participar de programas de caridade. Falo da importância que você dá para seus pais ou irmãos (o que não vale muito, pois eles são desdobramentos do eu), seus amigos novos e antigos. Não se trata de ajudar velhinha a atravessar a rua, é prestar atenção quando alguém lhe diz, como quem não quer nada, num grave sussurro: “Ei, estou morrendo, faça algo por mim”. Pois as pessoas morrem sem que a gente saiba como estender a mão. Tantufas é um palhaço sinistro que gargalha.

GRUDE - Desde o dia 10 deste mês estou trabalhando como Editor Executivo da W11 Editores. Ainda palmilho um território complicado, mas deu para sentir a importância de poder intervir nos produtos que levarão o trabalho de autores para o público. Ainda é cedo para avaliar. Há tempos Wagner Carelli e eu ameaçamos retomar uma antiga parceria. Hoje fui ao lançamento da W11 de O Momento Culminante, de Roberto Freire, o primeiro romance policial deste autor especializado no amor. Freire lembrou o que eu disse para ele na editora: que, ao checar o livro dele, meu olho grudava no seu texto e não conseguia escapar, e eu acabava me enrolando na checagem final do seu trabalho. Ele gostou e não esqueceu. Roberto Freire é Brasil.

RETORNO – Este fim-de-semana será especial para mim. Domingo, 30, das 10 às 11 da manhã, o poeta Ubirajara Raffo Constant, o popular Bira Tuxo, fará uma edição especial do seu programa na rádio São Miguel de Uruguaiana, sobre minha poesia. A São Miguel pode ser acessada via www.portaluruguaiana.com.br . E no sábado, 29, das 18 às 20 horas, estarei por duas horas com os amigos do programa Comunique-se, da allTV, como convidado. No fecho do programa, vou me dirigir à leitura do livro de José Paulo Lanyi, evento que divulguei na edição de ontem. Dia de agito e conto com a participação de todos.

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