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6 de outubro de 2003

AMIGOS, COLEGAS E CHEFES

Hoje inauguramos alguns links, comentamos o encontro com jornalistas e poetas e reproduzimos situações vivenciados nas redações com o mais temível dos colegas de trabalho: aquele que todos chamam chefe. Quem tem chefe é índio, dizem. Então, os jornalistas são a mais explícita tribo do mundo.

OSMOSE - Tenho feito crítica literária e reportagens culturais ao longo das décadas e trabalho por osmose: entro na linguagem do autor para tentar decifrar um pouco a sua criação. Dois exemplos estão no ar: uma resenha (na seção Em Pauta) sobre o romance “Concerto para Paixão e Desatino”, de Moacir Japiassu, no Comunique-se (link ao lado) e o poema Folha de Vidro , sobre o livro de Fabrício Carpinejar, Biografia de Uma Árvore, já colocado no endereço http://www.carpinejar.blogger.com.br/. É uma resenha que procura navegar na linguagem de Japi e um poema que se alimenta do que as palavras de Carpinejar sugerem.

RABISCOS - Não consegui meu primeiro emprego porque resolvi rabiscar o lead a lápis, ao lado da máquina (instrumento antigo que fazia tec-tec-tec, barulho que alardeava a dedicação ao trabalho ). O chefe de reportagem viu e me dispensou antes de eu começar. Acabei passando num teste para foca na extinta Folha da Tarde, de Porto Alegre. Meu primeiro chefe de reportagem era bastante explícito. Todos os dias dizia:
- Vai lá ver o que tem e o que não tem.
As pautas eram sucintas e incompreensíveis. Ganhei prestígio quando fiz o seguinte lead, sobre um acidente no campo:
“O avião vinha vindo pelo campo e bateu numa vaca. O caso foi parar na justiça. O juiz perguntou para o piloto:
- A que altura o sr. viajava?
- Numa altura de meia vaca, respondeu o piloto.
- Então, da próxima vez, ande na altura de vaca e guampa.
O Luiz Fruet, grande jornalista que já emitia seu brilho, adorou. Era possível fazer uma abertura dessas naquela época, quando não havia manual para padronizar o texto dos repórteres e assim, por eliminação, dar destaque aos comentaristas e suas criativices, como acontece hoje. Buscava-se a criatividade. Era o tempo do JT inaugural, do Pasquim, da revista Realidade. Todo mundo queria ser de vanguarda. Mesmo rodeado de pampa por todos ao lados.
Em Vitória, na revista Agora, tive outro chefe muito sucinto nas suas recomendações. Trata-se de Rogério Medeiros, que depois virou político do Espírito Santo pelo PT. Ele entregava um rabisco onde estava escrito em garranchos:
- Ir na malária.
Até descobrir que havia um departamento governamental que cuidava da malária, onde seria desencadeado um programa de prevenção ou algo assim, o repórter pastava. Até hoje brinco com essa frase ao passar para os repórteres algum encargo cavernoso. “Ir na malária”, digo, vingativamente, para olhos abertos em pânico.
Vitória do Espírito Santo era um lugar privilegiado. Tinha semanas inteiras de feriados originais, baseados em datas desconhecidas até pelos próprios habitantes.
- Por que não tem expediente nesta semana em lugar nenhum de Vitória?
- Ah, porque quarta-feira é o Dia da Hora.
- E o que vem a ser isso?
- Sabe que eu nunca soube? Nasci em Vitória e sempre comemorei o Dia da Hora... Acho que é a hora em que Jesus subiu ao céu.
Vitória é uma cidade maravilhosa. Recebeu-me, a mim e minha mulher, de braços abertos. Lá nasceu meu primeiro filho, Daniel. Uma cidade da hora.

SARGENTO GUIMA - Chefe importante foi o Woile Guimarães. Começava um comentário de maneira macia: “Olha esse texto que você escreveu, nesta parte aqui...dizia ele mansamente, para completar: -...está cheio de lugares comuns. Isso que você escreveu aqui é uma grande b. do c.!” Eu ficava impressionado como tratavam os jornalistas nas redações de São Paulo. Por muito menos, no Rio Grande do Sul aquilo dava tiro. Como nunca tive uma arma, reescrevia. E foi assim que me livrei de um monte de fumaças e aprendi alguma coisa.
Na TV Guia, editada por Woile, decisivo foi Macedo Miranda, filho, o Rei do Texto Redondinho. Filho de romancista, ele tinha vindo do Fantástico e dava a receita:
- O texto tem que ser redondinho. Cada parágrafo liga no outro e o último liga no primeiro. A primeira frase é fundamental. Com ela você seduz o leitor para o resto do texto, que escorre como água.
Macedinho amansou Woile, que estava rosnando demais para cima de mim. Os textos que fazíamos eram sínteses de matérias de grandes repórteres como Caco Barcellos e Audálio Dantas. Tive chefes excelentes, como Paulo Torre, da Tribuna de Vitória e Nestor Fedrizzi, do Jornal de Santa Catarina. Pessoas do bem, divertiam-se por terem contratado um louco. “Não aguento mais essa tua calça jeans com grega que você usa todos os dias,” dizia Paulo Torre para mim, depois de me ungir editor de Nacional. Na época, essa vestimenta era complementada por um cabelo que o mar de Vitória tinha feito um nó górdio.
Fedrizzi tinha história no jornalismo, que eu desconhecia. Foi um dos pilares do sucesso da Última Hora, em Porto Alegre. Montou o Jornal de Santa Catarina com um bando de gaúchos, todos metidos a revolucionários. Sofreu bastante.
Mas, pelo menos, não teve que aturar minhas piadas, como aconteceu com Woile. Para me vingar, depois que me aceitou graças à intervenção de Macedinho, fiz uma série de cartuns sobre a criação do mundo. Um pobre Deus enunciava: “Faça-se a luz” e um caricato Woile argumentava: “Nossa, uma ênclise logo no lead”. Deus, com o rosto conformado, criava o homem e Woile tascava: “Capricha nesta matéria que ela vai dar capa”. Deus criava a Terra e Woile: “Tá ruim, tá ruim, achata um pouco nos pólos”. Quando, no sétimo dia, Deus resolvia descansar, Woile tascava: “Calma lá, amigão, vamos mandar o pau para o segundo número.” Woile foi decisivo: na redação dele, virei jornalista. Glória eterna ao bom chefe.

RETORNO – Nasceu Manuela, filha de Luiz Moraes, diretor de arte de primeira linha e com quem é um privilégio trabalhar. Antenor Nascimento (quando a palavra chega ao topo) me escreve elogiando o Diário da Fonte (claro, é meu amigo!) e querendo relembrar ao vivo velhos sucos de manga para curar ressaca. O número de links aqui da coluna vai aumentar, mas o bom mesmo é quando eu conseguir colocar fotos e mais fotos. Assim, aborreço menos os meus dez leitores.

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