Omitir é mentir. Enterrar vivos autores e idéias (ou seja, não citar, para poder roubar impunemente), como se faz hoje na imprensa, é o caminho para a cultura de araque, onde o destaque excessivo dos parceiros de negócios convive com a super-exposição do que não tem importância. Fica-se assim por cima da carne seca, enquanto o "resto" medra no ostracismo.
SETE VÉUS - Graças ao site de Rimarah Hare, descubro agora que a Dança dos Sete Véus é uma invenção do Ocidente e que foi imposta como manifestação do Oriente. Fica assim mais apropriado o título A Dança dos Sete Véus - e o enfoque que eu dei ao meu trabalho acadêmico sobre o livro Orientalismo, de Edward Said, que está há anos disponível na Internet, no endereço eletrônico ww.consciencia.org/neiduclos/historia/orientalismo.html e tem um link no site da editora Conrad. É um texto extremamente visitado. Foi reescrito três vezes para agradar minha exigente orientadora de pós-graduação, a professora doutora Nanci Leonzo, da USP (que tem um magnífico trabalho, ainda praticamente inédito, sobre as Forças Armadas na época colonial). Pois bem. Ontem, num grande jornal (fica bem assim? vamos também pecar pela omissão? está na moda?), um autor considerado e que assina uma diatribe extravagante contra Said, desqualificou o que ele chamou de "a dança acadêmica dos sete véus" do grande autor. Meu texto contém uma crítica a Said, mas importa-se mais em analisar o magnífico trabalho desse intelectual, que morreu recentemente de leucemia. O referido (como assim referido? acabo de omitir o nome dele!) autor, que é um dos poetas super-expostos do jornal em questão (estou me especializando na omissão!) usou a metáfora dos sete véus para o trabalho de Said sem citar a fonte. Com isso, ele manteve o recorde: tenho um trabalho acadêmico há anos na Internet, que jamais foi citado na imprensa. Claro que o álibi da coincidência pode ser brandido nesse caso. Mesmo assim, se existe um texto acadêmico com esse título sobre o assunto em questão, e se foi usada a metáfora (só para desancar sem dó um autor maravilhoso), por que não dizer que o texto existe na Internet? Porque não, naturalmente.
DESATINO - Outro exemplo: ontem vi na emissora de TV da Câmara paulista (que, se os responsáveis quiserem, pode tornar-se um grande canal regional) uma entrevista com o consideradíssimo Moacir Japiassu, um dos escritores brasileiros mais importantes da atualidade, que acaba de lançar uma obra-prima, Concerto para Paixão e Desatino, uma lição de narrativa e de criação literária (daqui a pouco escrevo a resenha, Japiassu, estou no meio do tiroteio! mataram João Pessoa, considerado, mataram o presidente da Paraíba!!). Japi falava para seus entrevistadores sobre a "conspiração do silêncio" da grande imprensa em relação ao seu livro. Claro que Japi, um homem acima de toda essa mediocridade, falou isso com a grandeza que o define, sem ressentimentos, até com bom humor. Mas é um escândalo que não tenham reservado, como fizeram com autores menores, grandes espaços para o livro de Japi (só citar não vale, é preciso resenhar, é obrigação do jornalismo cultural, que não pode omitir fatos) . Por que? Para mim, os responsáveis por isso moitam para poderem chupar. Só pode ser isso. Se existe um consenso (pois é uma armação, pois não?) sobre determinados autores, o objetivo é cassar sua palavra para poder pontificar com ela. Gostaria que me contrariassem, que tornassem esta edição do Diário da Fonte obsoleta e publicassem resenhas sobre Japi, por exemplo, amanhã. Ficaria super satisfeito!
AZEITONA - Lembro que, quando trabalhava na Ilustrada, os Novos Baianos estavam proibidos na grande imprensa. Furei o bloqueio. Na IstoÉ, tratei Rita Lee como assunto cultural importante (o que era um fato, na época), para espanto geral. Hoje, volto a perguntar: nada, absolutamente nada sobre o maior compositor vivo do Brasil, Edu Lobo? Quando o cara se for (que Deus nos livre!) vão veicular apenas aquelas imagens em preto e branco dos anos 60 (cobertas de necrológios pífios). Não filmam o cara, não vão atrás dele, não pedem para ele tocar e cantar em frente as câmaras, não o entrevistam! Nada sobre o Edu Lobo e tudo para o, digamos, Chitãozó e Chororinho, Súnior e Jandy. Fica explícita a omissão a serviço de objetivos escusos quando um repórter de TV fala em "uma empresa", sem citar o nome da dita. É uma maneira de forçar as empresas a pagar para aparecer, via anúncios (quando não por outros caminhos escusos). Desconfio que, na área cultural, as redações estão cheias de "concorrentes" medíocres, com a mentalidade de para-quê-colocar-azeitona-na- empadinha- alheia. Vi pseudo-autores, que ocupam lugares chave nas redações culturais, posarem com seus lançamentos, tendo atrás uma grande estante cheia de livros, olhando significativamente para câmara, enquanto seus pares pastam no anonimato. Sorte que eles não omitem o poeta Fabrício Carpinejar, que hoje lança sua antologia Caixa de Sapatos, no Bar Canto Madalena (Medeiros de Albuquerque, 471, 19 horas). Carpinejar é uma flor de pessoa e estarei lá para conhecê-lo pessoalmente e dar-lhe um abraço.
RETORNO - O poeta Mauro Mendes conta como funciona o Brasil: "Ontem, ia comprar a Folha de SP para ler o artigo de Schwarz que me indicaste, mas, infelizmente, aqui em Salvador, o jornal não vem com o Mais!. As distribuidoras fazem muito isto, tiram determinados encartes para diminuir peso no avião, o que é um absurdo!"
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