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10 de setembro de 2003

ANDY WARHOL PREVIU O BLOG!

Diário da Fonte
ANDY WARHOL PREVIU O BLOG!

Esta é uma chamada apelativa para algumas notas carregadas de diamantes. É o que acontece quando vemos tardiamente um grande filme e nos lembramos de coisas que estávamos há tempos querendo falar.

MUDAR PARA FICAR – As boas frases tornam-se incompreensíveis quando modificam-se por força do excesso de vezes em que são citadas. É o caso da famosa frase de Guiseppe Tomasi di Lampedusa no seu livro O Leopardo, que virou filme de Luchino Visconti, apresentado ontem no canal 21 (numa nova fase excelente). As citações erradas dizem o seguinte: "Se queremos que tudo fique como está, é preciso que tudo mude". Ou : "É preciso que tudo mude para ficar como está". Mas, pelo que vi e ouvi do filme, o certo é: “É preciso que algumas coisas mudem para tudo continuar na mesma”, o que é bem diferente. Não se trata de mudar tudo para ficar como está, o que seria um paradoxo. Mas sim de ceder em alguns pontos para manter o essencial, o que é a velha sabedoria dos poderosos.

QUESTÃO SOCIAL - Outras citações exaustivas, apesar de serem corretas, não avaliam as suas origens. É o caso da conhecida “a questão social é um caso de polícia”, proferida pelo presidente Washington Luís nos anos 20 do século passado. Esquece-se que o presidente era homem do século 19, criado, naturalmente, por pessoas formadas na mentalidade do final do século 18. Não estou justificando nada, apenas explicando o que os livros de História me ensinaram. No clássico “D. João Sexto no Brasil” , de Oliveira Lima, fica claro que o Marquês de Pombal, que assumiu o poder em Portugal em 1774, colocou na mão da polícia do Brasil o problema social para poder esvaziar o poder dos governadores provinciais. Ele queria enfraquecer o esquema consagrado do Brasil colonial, precisava varrer daqui a força das pessoas encasteladas em cargos importantes. Maquiavelicamente, para dividir, jogou na mão da polícia a míséria, o loteamento clandestino, as epidemias. O que deveria ser tratado por políticas públicas virou caso de polícia. Essa é a origem.

FAMA MUNDIAL - Mais uma: os famosos 15 minutos de fama de Andy Warhol. O que ele disse em 1968 é que, no futuro, cada pessoa seria uma celebridade mundial por 15 minutos, e não apenas uma celebridade por 15 minutos. Ou seja, ele falou em “world famous” , já que famosos somos todos, sempre, para meia dúzia de gente. Agora, extrapolarmos o círculo de nossa fama grupal é que era a grande novidade. Ou seja, forçando a barra, só para justificar a manchete acima, Andy previu o blog antes mesmo de existir a Internet como a conhecemos hoje.

MAIS LAMPEDUSA E VISCONTI – O livro/filme não fica apenas na citação a que eu me referi. Existem outras, igualmente profundas, como a previsão de que o “humano” (tanto faz ser leopardo ou chacal) duraria ainda dois séculos e depois seria muito pior. Tenho certeza que Lampedusa falava do pós 11 de setembro de 2001. Outra grande sacada é a de que, numa região econômica periférica como a Sicília (o que também pode se aplicar ao Brasil) as mudanças não se fazem no confronto (tomada da Bastilha, decapitação do rei), mas no arranjo. Os burgueses não matariam os aristocratas, simplesmente o imitariam, comprariam seus títulos, casariam suas filhas com eles para ocupar seus lugares. A grandiosidade do filme de Visconti, cineasta de inúmeras obras-primas como “Morte em Veneza” e “Rocco e seus irmãos”, nos enche os olhos e a mente. A aparição de Claudia Cardinale, anunciada pela sombra que desenha a dor no rosto das outras mulheres é um momento único, sem falar na maravilhosa dança com Burt Lancaster. Um filme sem igual. Esse foi o esplendor do cinema. O resto é decadência.

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