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28 de fevereiro de 2020

À DISTÂNCIA




Nei Duclós


Cara a cara não sei o que dizer
Comento o tempo pergunto onde moras
À distância tudo funciona
Digo simples assim
quer que eu desenhe


LUA EM VÊNUS


Nei Duclós

Saudade de você, da tua beleza
A mesma que me deu grandes momentos
Tudo estava certo sem chuva ou vento
Apenas o sol, e a lua beijando Vênus

Estátua de mármore rosto de deusa
Trono de Afrodite e de Palas Atenas
Campo de tormentas vozes de conflitos
Braços do amor rumo à refrega

Talvez eu tenha sido omisso guerreiro
Fiquei nas barricadas pulaste a muralha
Entraste na cidade que ficou liberta
Cheguei depois ferido na batalha
Fui ungido por ti, Joana Darc
 

DE REPENTE


Nei Duclós

Hoje estive amargo
Fora do teu espaço
Que dividiste quando havia algo
Parecia ser amor e era estrago

Foste embora bela e tão amada
De repente como um tiro nas árvores
Espantando meus pássaros

Tua lembrança doce sumiu do mapa
 

26 de fevereiro de 2020

OUTRA PORÇÃO


Nei Duclós

Somos como estrelas que se apagam
Tardamos na praça olhando nuvens
A lua sente pena do nosso grupo
Espalhado em bancos no crepúsculo

Todos se foram para outra porção do mundo
A que chamam vida
Sentimos falta da mocidade
Não essa que nos joga pedras
Mas a que fomos um dia
Quando íamos com a banda tocar em cidades vizinhas
Como são lindos, diziam as gurias
Inflando nosso uniforme de futuros fracassos



QUALQUER CICLO


Nei Duclós 


Os dias perderam o sentido
Raspei as datas, sequei o piso
Segunda ou quinta, carnaval, domingo
O tempo não precisa de batismo
Império República colonialismo
Há chão e chuva em qualquer ciclo
E a borracha servia o ouro o café a cana de açúcar

Brigo por anos bi sétimos férias em maio
Estamos em dois mil e nada em mil e quinze
O sol dá as cartas e eu acordo no alto da matina

Ficou escuro hoje não desisto
Invento um rodizio com versos mínimos

Nei Duclós 

PERTO DE NÓS


Nei Duclós




Toda arte e cultura ficou disponível
não para alimentar nossa indiferença
ou o apetite desmesurado
por qualquer manifestação,
mas para que possamos ter perto de nós
ao alcance dos sentidos
o que lembramos ou temos necessidade de conhecer.

Colocar no ouvido na pele nos olhos ou no colo
 o que habita o espírito e desperta o coração.



LIXA


Nei Duclós

Nada do que falei tem importância
Nada do que escrevi fica
A longevidade é como a lixa
Que raspa a vaidade até o osso
De repente você está solto
Sem a carne que o sustenta
O vento faz barulho em teus braços ocos



LUGAR DE BALA


Nei Duclós

Lugar de bala
É onde a bala
Se instala
Acha o alvo
Que passa
Procura como
O míssil e abre
A porta pela aldrava
Do tiro frouxo
Como riso da canalha

Lugar de falha



24 de fevereiro de 2020

DEUSES


Nei Duclós

Não leio sinais não escuto avisos
o que vier virá
ninguém monta no destino
cavalo xucro com pulsão de abismo
não brinca de profecias
o desfecho é sabido
somos de outra natureza
criaturas não humanas
deuses caídos



AVENTURAS


Nei Duclós

Vivo uma vida de aventuras
Viajo nas nuvens
Sou náufrago em remotas ilhas
Refugio-me em sitios abandonados
Depois de ver um crime
Ando pelo deserto até chegar ao cemitério de aviões
E lá escolho uma sucata que levanta voo até Adis Adeba
Ou Ur, na Caldéia
Pelo fio estendido sobre a cidade escapo no equilíbrio de um incêndio
A multidão torce por mim
Desço a montanha de neve vítima de um acidente
E chego até a trilha
Onde me esperam aldeões com curativos
Meu corpo ferido está exausto
Ninguém me reconhece quando volto
Acabo meus dias num subúrbio

No dia seguinte tudo recomeça
Nado até a ilha



CICLO


Nei Duclós



E insuficiente o que fazemos da vida.
Ficamos devendo.
Temos consciência disso a cada ciclo.
Posso melhorar, dizemos na autocrítica.
No final, é escasso o acervo que ofertamos
 no umbral assombroso por onde passaremos


18 de fevereiro de 2020

DENTRO DE TI




Nei Duclós


Dentro de ti não tomo distância suficiente
para avaliar teu rosto.
Saber se expressas amor ou desconforto
Talvez eu demore demais da conta
E passas do sonho ao êxtase
Devolvendo o que eu perdi
sem ter noção da perda


CISÃO


Nei Duclós

Viver num ambiente hostil
te treina para a solidão.
O que exclui fortalece
se houver meditação,
 mergulho na fonte infinita do saber primordial,
que no silêncio enxerga o movimento de forças
 em direção à singularidade do ser,
gerado pelo Absoluto e sua unidade em eterna cisão.



EQUILÍBRIO


Nei Duclós

Seria pedir demais
Voltar a ser feliz
Mas pelo menos reencontrar
Meu ponto de equilíbrio
Ser eu novamente
Antes deste tempo
Em que meu corpo serviu de alimento
Como um gado morto
Para quem se aproximou
Com a melhor das intençõeS



ESCÂNDALO


Nei Duclós

Não nos entendemos.
Só o silêncio oferece uma chance.
Mas a palavra seria a ponte
Então ficamos nos adivinhando
Olho teu rosto que o ouro avança
Tuas pernas de louça
A carne distante com fantasia bruta
A vontade é um escândalo



GESTO ANÔNIMO


Nei Duclós

A poesia é permanente, a política, transitória.
Mas o efeito da poesia é limitado. O da política, infinito.
Por um verso serás lembrado, mas em espaços de leitura.
Por tuas batalhas serás esquecido,
mas teu gesto anônimo vingará nos campos e cidades.

O poema terá paz quando a paz for a vitória.



DESAPEGO




Nei Duclós


Desapego do poema
Móvel antigo fazendo número
Festa suspensa
Data sem o vínculo da surpresa

Deixo o poema como traste entre badulaques
E pensar que vivi nesse esquema
Querendo mais do que poderia me dar

Sentamos no portal diante do entardecer
Eu e o poema
Ele meio triste pelo abandono
Mas focado no sol
que de repente escurece


17 de fevereiro de 2020

O PAÍS NO ABISMO


Nei Duclós

O país apodreceu bem na nossa vez
Quando queríamos salvá-lo
Acreditando em farsantes

O pais caiu no abismo quando nos debruçamos
Pegou fogo na hora do luau
Enlouqueceu quando tínhamos razão

O pais foi embora quando decidimos ficar
Partiu no último avião
Nos deixando com os livros que não servem mais

O país deixou de existir junto com nossa certidão de nascimento
Desconhemos seus vestigios
Sabemos só que havia uma nação onde hoje é deserto



TELHA


Nei Duclós

Digo o que me dá na telha
Pombas chuvas estrelas
Não tenho compromisso com barro ou madeira
Fui feito pelo fogo em fornos a lenha

Não abrigo gado ou humano acervo
Tenho goteiras de sereno
Nos desvãos esconde-se o segredo
Que é meu ouro de tolo e minha espera
Um dia me descobrem
Autor exilado de si mesmo





PERTO DE MIM


Nei Duclós

Não vivo, vegeto
Minhas raízes são o passado
E apesar de tanta folha
escrita
Não faço sombra

Sou de terreno baldio
Árvore sem seiva
A chuva bate em galhos do estio
A seca suga a água de amores vãos

Com o poder prestes a demolir
Assim mesmo brota o capim

Mendigos fazem fogo perto de mim
Exibo estrelas quando a nuvem fecha o céu





ENIGMA DE PEDRA


Nei Duclós

Moro na cidade ancestral de pedra
Sou um dos gigantes
Guardo o espírito que habita monumentos
Centros de energia megalitica
Uso um portal invisível
Migro para um lugar inacessível

Procuro a água que se esconde na montanha
E a deusa esculpida

De longe vocês enxergam esse enigma
Duas pirâmides que apontam o infinito



10 de fevereiro de 2020

POUCO

Nei Duclós



É pouco o poema
É pequeno
Barco a remo no oceano
Sem cais que o receba
No ruído que confunde a rosa dos ventos

É leve esse deslizar sobre a corrente
Que passa ao largo do mundo
E ao mesmo tempo o enfrenta



PERDI


Nei Duclós


Perdi
Deus achou-me entre os escombros
Teus ombros eram o divino arrimo
Em missão de busca

Achei
Um motivo de voltar de novo
Mesmo que tenhas outro destino

Meus trapos vibram ao vento noturno
Fui recebido a bordo

Agradeço a chance
Mar mais amplo do que a longa vida


SERPENTES DO TEMPO

 Nei Duclós
  

Colho agora o que plantei sem ver
Cargas adventícias do meu querer
A semente que vi jamais vingou
Tornou-se adubo do amargor

O fruto torto não me alimenta
Cavo no deserto água salobra
Serpentes do tempo me olham das pedras
E o sol, este sol que torra lavouras de mercúrio



VOEI


Nei Duclós

Voei sem saber de onde veio
a vontade de seguir o pé de vento
Espirais te trouxeram com as folhas
Arrancadas verdes de uma tarde

Só a palavra guardada sem alarde
pode revelar-te frente ao espelho





VINGANÇA

Nei Duclós


Inventaram tua beleza
Por vinganca
Para eu saber que também danço
Nem tudo eu alcanço
Apesar de ser rei
Desde criança



ILHA

Nei Duclós


Todo continente é uma ilha
O mar não está cercado
De terra por todo lado

Só o mar é soberano
Como terra firme
Do altiplano



CRIAR


Nei Duclós

Viver sempre foi insuportável
Ceder para durar
O desejo contra o destino

Com a idade torna-se proibitivo
O corpo trava a necessidade
A memória trai o que foi dito

Não há solução à vista
(A alma vai além do desfecho)
A não ser criar para provar que existo

Nei Duclós


AGORA

Nei Duclós


O tempo do poema é agora
 Não quando escrevo ou leio
 mas no seu leito específico
linguagem sem nenhum erro
no éter inexistente
que põe minha cabeça a prêmio

O poema e perigoso
a todo crime sujeito
carro sem motorista
faróis acesos no ermo

Nei Duclós